Campanha da Semana Nacional de Trânsito deste ano foca numa das principais causas de acidentes e mortes no trânsito, o abuso da velocidade.
Especialista em vias fala de como são feitas as definições de velocidade de tráfego no Brasil.
Quanto tempo leva para mudar o nosso comportamento? Dez anos seriam suficientes? É o que propõe a campanha da Organização das Nações Unidas “Década Mundial de Ação pela Segurança no Trânsito”, iniciada em 2010. Para marcar o projeto que busca comprometimento dos países na redução de mortes e acidentes de trânsito, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) estabeleceu como tema da Semana Nacional de Trânsito (18 e 25 de setembro) “Década Mundial de Ações para a Segurança do Trânsito – 2011/2020: Não exceda a Velocidade, Preserve a Vida”.
Segundo o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), cerca de dois milhões de pessoas morrem por ano, vítimas da violência no trânsito. Levando em conta que dois dos principais fatores que influenciam o crescimento da taxa de mortalidade no trânsito são a relação comportamento e segurança dos usuários e o excesso de velocidade, o público alvo da campanha foi traçado: jovens entre 18 e 25 anos, o grupo que mais mata e mais morre no trânsito.
Muitas vezes, os mecanismos de controle do tráfego e segurança da mobilidade são questionados em relação à eficácia e também parâmetros de estabelecimento do padrão. Eis uma das razões pelas quais o motorista acaba desrespeitando a lei. Para entender melhor como são feitos os levantamentos e definições de velocidade máxima permitida na via, a Perkons foi conversar com a engenheira especialista em trânsito e autora de umas das obras referência para técnicos da mobilidade no Brasil, Lúcia Brandão. Acompanhe a entrevista:
PER – Que técnicas e processos definem a velocidade máxima em que se pode trafegar em determinada via?
L.B. – No mundo existem alguns métodos consagrados, como por exemplo os métodos desenvolvidos pelo ITE – Institute of Transportation Engineers (EUA) no início dos anos 90, pelo ARRB – Australian Road Research Board (Austrália) nos anos 80 e outros poucos.
No Brasil, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estabelece nos artigos 61 e 62 os limites de velocidade de circulação para as vias que não apresentam sinalização indicativa de velocidade máxima. Estabelece que, onde não existir sinalização regulamentadora, a velocidade máxima será conforme estabelecido no CTB. Mas que “o órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via poderá regulamentar, por meio de sinalização, velocidades superiores ou inferiores àquelas estabelecidas”. E mais: que “a velocidade mínima não poderá ser inferior à metade da velocidade máxima estabelecida”.
O Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito – Sinalização Vertical de Regulamentação publicado pelo Denatran apresenta um conjunto restrito de orientações básicas para definição do limite de velocidade nas vias, considerando algumas características físicas do espaço.
Ainda no Brasil, temos conhecimento de estudos acadêmicos para organização de um método que leve em conta as características nacionais, a exemplo do método proposto por Bruna Tsu em sua tese de mestrado, junto a Escola Politécnica da USP, que leva em consideração as características físicas e operacionais da via, assim como as expectativas e o comportamento do condutor em relação a essas características, mas sua aplicação é limitada a rodovias de pistas simples.
O Livro “Medidores eletrônicos de velocidade – Uma Visão da Engenharia para Implantação” apresenta um roteiro para estabelecimento de limites de velocidade de circulação, levando em conta as características físicas, operacionais e de uso (e dinâmica) do solo lindeiro e discute o conceito de zonas de velocidade, mostrando a importância de se compatibilizar faixas de velocidade a cada cenário de risco de acidentes de trânsito.
Livro “Medidores eletrônicos de velocidade –
Uma Visão da Engenharia para Implantação”
PER – Esse procedimento é padrão no Brasil?
L.B. – Não. No Brasil não há um método consagrado para definição do limite de velocidade de circulação viária.
PER – Quem é o responsável por fazer essa aferição?
L.B. – Infelizmente, cada órgão de trânsito com circunscrição sobre a via define os limites de velocidades sem critério prévio. E não há nenhum órgão que vá aferir se o limite de velocidade de circulação estabelecido para cada trecho de via é seguro para seus cidadãos.
PER – A velocidade máxima é uma observação segura, no sentido de que o motorista fica no limiar entre o permitido (seguro) e o perigoso?
L.B. – Essa é uma questão difícil de responder. O que se sabe é que pesquisas, realizadas em países europeus e nos EUA, demonstram que o limite de velocidade estabelecido para a via influencia a velocidade praticada por seus usuários de forma positiva.
No Brasil, essa informação não está disponível (pois é inexistente), mas o alto índice de acidentes de trânsito registrados por excesso de velocidade sugere que boa parte dos envolvidos não observou os limites constantes da sinalização vertical (placa) existente, ou desconhecia os limites definidos pelo CTB onde não havia sinalização vertical de regulamentação de velocidade máxima.
Crédito: Portal Dia a dia SC
“E não há nenhum órgão que vá aferir se o limite de velocidade de circulação estabelecido para cada trecho de via é seguro para seus cidadãos“
PER – Nesse sentido, a velocidade máxima é avaliada “para baixo“, ou seja, é integrada alguma margem do “mau comportamento“ dos motoristas para a sua própria segurança?
L.B. – Tecnicamente, a engenharia recomenda que a velocidade máxima tenha como ponto de partida a velocidade operacional observada para o trecho viário em questão. Essa velocidade operacional é a velocidade abaixo da qual circulam 85% dos condutores. E é considerada segura, se não houver aspectos fortes para que ela seja menor, como um polo gerador de viagem a pé: uma escola, por exemplo.
Isso quer dizer que, se a velocidade estabelecida para uma via, que não apresenta condicionantes de entorno que exijam sua redução, for menor que a velocidade operacional, certamente haverá muitas infrações e acidentes. Mas, nesse caso de fato não há um mau comportamento dos motoristas. É uma liberalidade do responsável pela via em limitar a velocidade muito abaixo que a velocidade operacional, que é considerada segura.
Mas há o outro lado, há locais em que a velocidade deve ser limitada muito abaixo da velocidade operacional em função das características de tráfego local e de entorno, ou das características físicas da via. E aí, muitas vezes tenho observado o descaso dos responsáveis pela via em não se adiantarem aos acidentes e não realizarem intervenções necessárias para garantir que a velocidade de circulação seja em níveis baixos suficientemente seguros.
A meu ver, a grande maioria dos condutores não é capaz de reconhecer o risco de acidentes, sem a ajuda de sinalização vertical (placas) e horizontal (sinalização no pavimento, com pintura e tachão refletivo), ou outro dispositivo ou equipamento advertindo-o sobre o risco. A questão é: os responsáveis pela via sabem onde estão os locais que necessitam de intervenções para garantir baixa velocidade de circulação? E sabem como intervir para reduzir de forma segura a velocidade nesses locais? Creio que não.
PER – Com relação à fiscalização eletrônica, qual o papel no monitoramento do comportamento dos motoristas, posto que há sinalização informando o limite?
L.B. – O método apresentado no Livro diferencia grupos de modelos de equipamentos de fiscalização eletrônica em ostensivo, semiostensivo e não-ostensivo. Cada um desses grupos tem sua aplicação definida, em especial considerando o conceito de zonas de velocidade (locais específicos com faixas de velocidade reduzida). O equipamento ostensivo (lombada eletrônica, por exemplo) se aplica a situações onde há rotas de pedestres ou ciclistas, devendo ser visível à grande distância pelos condutores de veículos, e para tanto o equipamento deve ser instalado em totem com luz intermitente e contar com ampla sinalização vertical (placas) e horizontal (pintura no pavimento, tachão), porque precisa garantir que o condutor reduzirá sua velocidade a índices baixos, cuja zona de velocidade não poderá ultrapassar 30km/h na maioria dos casos, dependendo das condições de entorno.
Já o equipamento semiostensivo (bandeira, por exemplo) é aplicado a situações de conflito entre veículos motorizados. Nesse caso, a zona de velocidade pode ficar em torno de 40km/h ou 50km/h, também com presença de sinalização vertical e horizontal, mas em um nível menos acentuado.
Obra “Medidores eletrônicos de velocidade – Uma Visão da Engenharia para Implantação” referencia os equipamentos de monitoramentos mais indicados para cada via
O equipamento não-ostensivo (pardal, por exemplo) não deve contar com sinalização alguma, como o próprio nome pretende. Esses equipamentos têm sua aplicação muito reduzida, pois não se aplicam a trechos de vias com faixas de velocidade reduzida (zonas de velocidade) por sua característica não-ostensiva, mas a trechos onde não há a necessidade de redução da velocidade ao longo de seu caminho, servindo apenas para garantir que o condutor circule dentro dos limites de velocidade já estabelecidos para a via. Ou seja, se aplica a longos trechos urbanos sem cruzamento e ocupação lindeira, ou vias preferenciais não ocupadas, ou ainda trechos rodoviários ou expressos.
* Lúcia Maria Brandão é engenheira civil pela Universidade Estadual de Londrina, Mestre em Engenharia de Transportes pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Atua como Consultora Engenharia de Trânsito e Transportes desde 1986. Coordena cursos de pós graduação em Gestão de Trânsito e Transportes em várias capitais brasileiras. Foi docente do curso de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Londrina e Universidade Estadual de Maringá, de 1994 a 1998. Foi Diretora de Trânsito do Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano de Londrina, e Diretora de Operações da Companhia de Urbanização da Cidade de Londrina entre os anos de 1994 e 1999 e é autora da obra “Medidores Eletrônicos de Velocidade. Uma Visão da Engenharia para Implantação”, e de vários artigos técnicos e científicos sobre engenharia de transportes apresentados em Congressos do Brasil e América Latina.
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