NOTÍCIAS

Trabalho escravo nas rodovias

Por Dr. Dirceu Rodrigues Alves Júnior*

Publicado em

De acordo com o artigo 149 do Código Penal Brasileiro, são elementos que caracterizam o trabalho análogo ao de escravo: condições degradantes de trabalho (incompatíveis com a dignidade humana, caracterizadas pela violação de direitos fundamentais que coloquem em risco a saúde e a vida do trabalhador), jornada exaustiva (em que o trabalhador é submetido a esforço excessivo ou sobrecarga de trabalho que acarreta danos à sua saúde ou risco de vida), trabalho forçado (manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, ameaças e violências físicas e psicológicas) e servidão por dívida (fazer o trabalhador contrair ilegalmente um débito e prendê-lo a ele). Os elementos podem vir juntos ou isoladamente.

Ministério do Trabalho, Polícia Federal e outros órgãos recebem denúncias de trabalho escravo, invadem fazendas, prendem fazendeiros. Nas rodovias outro trabalho escravo é aprovado por legisladores e sancionado pelo executivo. Quem consegue ficar 5h e 30min consecutivas sentado à mesa de trabalho, ter apenas 11h para lazer e sono na boleia ou pendurado na rede.

A lei dos caminhoneiros, como é conhecida, impõe isso.

Quando você levantará? Isso é racional? É compatível com a necessidade do trabalhador? Mas ele não fica só sentado, movimenta pernas, braços, coluna vertebral, é submetido a múltiplos fatores de risco. É compatível com a ergonomia, fisiologia, qualidade de vida no trabalho? Pré-dispõe a doença?

Como racionalizar uma lei sem a aceitação de justificativa médica sabendo que a atividade envolve múltiplos fatores de risco. Como isso é imposto a um trabalho extremamente penoso, onde o sacrifício invade área física, psicológica e social. A resistência física de cada indivíduo não é a mesma. Uns suportam mais, outros menos.

É um verdadeiro castigo imposto pela lei o que vem mostrar que realmente o profissional do volante está sobre regime de escravidão. E trabalho escravo é crime no Brasil.

Leis absurdas se contrapõem, legisladores defendem poucos e sacrificam muitos. A luta contra esse absurdo precisa deixar de predominar. Precisamos entender que esse profissional é que transporta as riquezas desse país e a ele devemos o nosso crescimento.

Tudo que temos foi conduzido pelo caminhoneiro a quem a lei castiga. Tiram-lhe o direito a uma vida livre, com melhor qualidade de vida no trabalho e na vida social. Compromete ainda a saúde do pobre coitado.

É necessário que a Comissão de Trânsito e Transporte da Câmara Legislativa tenha assessoria de especialistas e que não queiram interpretar e conduzir com raciocínio próprio ou interesses, aquilo que representa a sobrevivência do homem, de onde ele tira o pão de cada dia. Não podemos nos calar, temos que combater a escravidão onde fretes, pedágios, estacionamentos, assaltos, roubo de carga, sequestro, morte, comer a beira da carreta, dormir na boleia, higiene corporal precária, transitar por onde há doenças endêmicas; porque tudo compromete a saúde física, mental e social.

É um trabalho diferenciado, especial, que não merece o que é proposto e ainda contém no seu bojo condutas a serem tomadas que comprometem mais ainda como o exame toxicológico, dormir na boleia e estacionar em local inseguro.

Apesar do caminhoneiro brasileiro estar mais consciente em relação aos cuidados com a sua saúde, o homem é avesso à restrição aos seus hábitos, controle médico, dietas, exames preventivos e tudo que se possa planejar em termos de prevenção no sentido de mantê-lo saudável e, em consequência, com boa qualidade de vida. Mas, com todas as dificuldades para mudanças de comportamento, temos a obrigação de conscientizá-lo da real necessidade, principalmente quando o vemos submetido a fatores de risco que não temos dúvida que o levarão às doenças. E observem: doenças crônicas, evolutivas e incapacitantes. A coisa é grave, precisamos de cuidados; deixar de olhar para isso é permitir o surgimento de problemas. Dentro de uma cabine, onde trabalha se alimenta e dorme, sem as condições de higiene necessárias em relação ao sono, a confecção do seu alimento, na eliminação dos despojos, na higiene corporal, sem o lazer, isolado e confinado em ambiente tão restrito e hostil para tal, e mais, submetido às doenças endêmicas e tropicais por onde circula.                          

As doenças primárias ou pré-existentes como hipertensão arterial, diabetes, distúrbios de colesterol, triglicérides, doenças respiratórias e cardiocirculatórias e muitas outras estão presentes no universo dos nossos motoristas. O acesso ao controle ambulatorial torna-se difícil em função de estar sempre em trânsito e não ter com isso disponibilidade para um agendamento, um controle ambulatorial.

As atitudes incorretas que comprometem a saúde, como uso de álcool, tabaco, alimentação inadequada, privação do sono, rebite, excesso de horas trabalhadas e outros, são fatores importantes que comprometem e levam ao desequilíbrio orgânico e, consequentemente, às doenças.

Não bastasse tudo isso, outros componentes ocupacionais participam do dia a dia desse trabalhador, concorrendo para as doenças ocupacionais como as perdas auditivas, zumbido nos ouvidos, dores musculares difusas e localizadas, degeneração da coluna vertebral, varizes de membros inferiores, tendinites, artrites, doenças respiratórias e outras.

Esses problemas surgem pela falta de liberdade diante das opressões, bem como essas características de condições sub-humanas de vida e de trabalho, ainda, de absoluto desrespeito à dignidade de uma pessoa, pela imposição de chefias, gerências, tanto do remetente como do destinatário. É pressão de todos os lados, é o martírio do nosso motorista rodoviário, caminhoneiro. É a saúde física, mental e social comprometida.

Lembramos que saúde é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o bem-estar físico, mental e social, o que não vemos nessa atividade. Os nossos caminhoneiros não gozam de plena saúde e não sabemos como resistem a tanto sacrifício. Múltiplos fatores de risco, tudo formando uma malha fina envolvendo o homem, tirando-lhe o direito de escape. Necessitamos de critérios ou protocolos para ultrapassarmos essa malha fina, buscando permanentemente a melhor qualidade de vida no trabalho. A saúde é o elemento essencial na direção veicular.

*Dr. Dirceu Rodrigues Alves Júnior
Diretor da ABRAMET
Associação Brasileira de Medicina de Tráfego
www.abramet.org.br
dirceurodrigues@abramet.org.br
dirceu.rodrigues5@terra.com.br

COMPARTILHAR

Veja

também

Cuidados essenciais ao dirigir no outono sob condições de neblina

Relatório de Transparência Salarial

Relatório de Transparência Salarial

Perkons apresentou inovações para um trânsito mais seguro na Smart City Expo Curitiba 2025

Presença feminina nas vias promove segurança no trânsito

Aplicativos inteligentes ajudam empresas a monitorar motoristas e promover segurança no trânsito

Faróis acesos ou apagados? O que os condutores precisam saber

Código de Trânsito Brasileiro celebra 27 anos de inovações e contribuições à segurança viária

Contratação de transporte escolar requer cuidados

Dicas para uma viagem tranquila nas festividades de fim de ano 

Nascemos do ideal por um transitar seguro e há três décadas nossos valores e pioneirismo nos permitem atuar no mercado de ITS atendendo demandas relativas à segurança viária, fiscalização eletrônica de trânsito, mobilidade urbana e gerenciamento de tráfego.