Existem várias formas de se resolver os conflitos sociais, inclusive os ocorridos na via pública, os quais, aliás, são muitos, acarretando em grande número de mortos e feridos, o que exige uma preocupação maior do Estado e da sociedade. Quando a solução não é endógena ao indivíduo ou ao corpo social e a educação não é suficiente para a mudança comportamental, há a necessidade de imposição estatal daquilo que nossos representantes consideram ser o melhor para toda a coletividade, seja mediante alteração legislativa ou mudanças nas regras viárias, seja com maior rigor na fiscalização de trânsito.
Quando as escolhas partem do Estado, em decorrência da não solução natural dos litígios, é lógico que surjam questionamentos, reclamações e discordâncias pelas pessoas diretamente atingidas, posto que serão obrigadas a adotar uma conduta que, de outro modo, não o fariam.
Essa introdução serve para ilustrar o recente caso da redução de velocidade nas Marginais Tietê e Pinheiros, em São Paulo. O município, por meio de seu órgão executivo de trânsito, entendeu necessário o rebaixamento do limite máximo de velocidade, com o objetivo de diminuir o número de ocorrências de trânsito e, consequentemente, as mortes e lesões delas decorrentes.
Legalmente, o órgão executivo municipal de trânsito POSSUI competência para assim proceder, tendo em vista o disposto nos incisos II e III do artigo 24 do Código de Trânsito Brasileiro, que estabelecem as atribuições locais para “planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos” e “implantar, manter e operar o sistema de sinalização”; ademais, o § 2º do artigo 61 do CTB prevê a possibilidade de que o órgão ou entidade com circunscrição sobre a via determine, por meio de sinalização, velocidades superiores ou inferiores às estabelecidas no § 1º do mesmo dispositivo legal (em uma via de trânsito rápido, por exemplo, o limite padrão seria de 80 km/h).
A questão é: “Quais foram os motivos determinantes que levaram à mudança dos limites de velocidade que existiam até então?”; afinal, a resposta a este questionamento, além de dar maior legitimidade à ação polêmica da Prefeitura, constitui cumprimento do princípio constitucional da Administração pública, chamado PUBLICIDADE (artigo 37 da CF/88). E vejo que este tem sido o principal erro da administração municipal, que se omite na prestação de informações consistentes à população.
Portanto, não se trata aqui de crítica à regulamentação imposta pelo órgão competente (até porque há uma grande possibilidade de, após algum tempo, comparados apenas número de mortes e feridos, chegar-se à conclusão de que os resultados foram positivos), mas à forma como a questão está sendo tratada.
Alegar, “apenas”, o número de mortes ocorridas no ano anterior não é suficiente para comprovar a adequação da medida adotada, muito embora seja notório que velocidades mais baixas representam menor risco à segurança viária, constituindo medida que vem sendo adotada em vários outros países, mormente por ser (a velocidade excessiva) um dos principais fatores de risco para a segurança viária; todavia, diminuir o limite de velocidade, sem critério adequado e proporcional para cada via, como argumento para redução da morbimortalidade no trânsito, é uma fórmula um tanto quanto simplória.
Seria equivalente a proibir a circulação de motocicletas e de pedestres em qualquer via pública, e chegar à conclusão que esta decisão reduziu dois terços do número de mortos nas tragédias viárias (já que estes participantes do trânsito representam, justamente, esta proporção do número de fatalidades). Em outras palavras, nem sempre a solução que parece ser boa, é realmente a mais adequada.
Em 2014, morreram 73 pessoas nas Marginais Tietê e Pinheiros. Nosso maior desejo é que não tivesse morrido ninguém. Não se tratam de números, mas de PESSOAS, que deixaram famílias e histórias de vida interrompidas drasticamente. Como zerar esta conta? Tenho certeza, por exemplo, que se fechar a Marginal Tietê durante 1 ano, chegaremos ao final do período com 0 mortes. Olhando só o resultado, parece fantástico, não é mesmo?
A única forma de chegar a uma análise TÉCNICA para apresentar soluções se resume em uma palavra: PLANEJAMENTO. E não estou tratando de planejar qual é o limite ideal, de acordo com a OPINIÃO dos gestores de trânsito, mudar todas as placas de sinalização e começar a multar os motoristas infratores. Nas defesas do Prefeito municipal e dos responsáveis pelo órgão de trânsito, pela redução dos limites de velocidade nas Marginais, em nenhum momento, fomos informados sobre o real PLANEJAMENTO que identificou, nestas 73 mortes, que os limites ideais de velocidade seriam 70, 60 e 50 km/h.
Adotando como exemplo a via expressa da Marginal Tietê (apesar de não haver esta classificação viária, no artigo 70 do CTB, é a denominação popular), cujo limite foi diminuído de 90 para 70 km/h. Pergunta-se:
I) As pessoas que ali morreram tiveram como causa de sua morte o excesso de velocidade ou a permanência inadequada de pedestres em uma via de trânsito rápido? (se o problema forem os pedestres, a solução deve ser redirecionada);
II) No caso da morte de ocupantes de veículos, o excesso de velocidade foi o real responsável pela fatalidade? (nesta condição, o que é mais importante: a fiscalização da regra já existente ou a mudança de limite?);
III) Nestas ocorrências, o condutor estava entre 70 e 90 km/h (o que justificaria a diminuição, para coibir velocidades menores, antes permitidas) ou estava a mais de 90 km/h (situação em que a redução é irrelevante, pois o condutor já estava em infração de qualquer jeito)?;
IV) Os maiores causadores das ocorrências, nestes locais, estavam abaixo de 90 km/h ou a mais de 90 km/h? (esta pergunta é fundamental, porque se o problema forem os motoristas que trafegam a 100, 110, 120 km/h ou mais, a solução não seria diminuir o limite, mas fiscalizar os que JÁ ESTAVAM irregulares).
Tecnicamente, a escolha do limite de velocidade em uma via não deve ser baseada apenas em um consenso, mas sim em critérios técnicos, previstos na Resolução do Conselho Nacional de Trânsito n. 180/05 (Sinalização vertical de regulamentação – Volume I do Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito), como, por exemplo, existência e condições de deslocamento lateral; condições de estacionamento, parada e acesso; velocidade abaixo da qual trafegam 85% dos veículos que nela circulam; locais com situação potencial de perigo etc. Ao que me parece, não houve qualquer alteração dos critérios objetivos descritos na legislação de trânsito, mas apenas se “entendeu” que será mais seguro transitar a uma velocidade menor.
Ressalte-se que, no caso das vias de trânsito rápido, o Manual de Sinalização prevê a fixação de limite máximo de 80 ou 90 km/h (e não os 70 km/h, atualmente determinados).
Diante de todas as considerações apresentadas, reitero o questionamento: “Quais foram os motivos determinantes que levaram à mudança dos limites de velocidade que existiam até então?”
*Hervando Luiz Velozo
Coronel de Polícia Militar e Comandante do Policiamento de Trânsito da PMESP – 2010 a 2014.
Nascemos do ideal por um transitar seguro e há três décadas nossos valores e pioneirismo nos permitem atuar no mercado de ITS atendendo demandas relativas à segurança viária, fiscalização eletrônica de trânsito, mobilidade urbana e gerenciamento de tráfego.