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Do jeito que está, não pode ficar. A CNH – Carteira Nacional de Habilitação precisa ser revista. O que fazer?

por André Garcia*

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No ano passado, acompanhando vários Fóruns e Simpósios sobre Segurança de Trânsito com foco em motocicleta, surgiu uma questão como a salvação dos motociclistas, liberação dos leitos hospitalares e economia da verba pública com os acidentados: divisão da categoria “A” da CNH – Carteira Nacional de Habilitação. Aliás, são exatamente esses os fundamentos da justificativa a proposta de lei sob nº 3240/12 de autoria do Deputado Federal Roberto de Lucena – PV/SP.

No mencionado Projeto de Lei a categoria “A” seria subdividida em A1 (até 150cc), A2 (até 400cc) e A3 (sem restrição de cilindrada). Para sorte geral dos motociclistas, o Projeto foi retirado de pauta a pedido de seu autor e arquivado. Todavia, a ideia não morreu.

Ela não chega a ser absurda, mas está longe de resolver o problema dos acidentes de trânsito e tê-lo como a “salvação da pátria”, mostrando que, de certa forma, quem sugere novas leis parece não ter experiência alguma em pilotar uma motocicleta.

Para tanto, basta acessar o site da ABRACICLO e constatar o óbvio: nosso mercado é formado por 97,3% de motocicletas de baixa cilindrada até 300cc e apenas 2,7% de média e alta cilindrada acima de 400cc. Portanto, qual o índice de acidentes dentro dessa pequena fatia de 2,7% para justificar tal mudança?

A divisão da categoria “A” como medida isolada, nada resolverá.

No entanto, acreditamos que existam outras maneiras mais eficazes que sejam capazes de mudar o atual e absurdo cenário de um transito que mata feito a “Guerra do Vietnã”.

A VEZ DO ESTADO – Em primeiro lugar, é chegado a hora do Estado assumir de uma vez,  para si, a responsabilidade na formação de condutores, ou seja, não mais delegar a iniciativa privada. Entendemos que há um confronto de interesses do CFC – Centro de Formação de Condutores que é entidade privada com o interesse de Estado. Não entendeu? Nós explicamos: o CFC é um negócio e como tal precisa aprovar o mais rapidamente possível o candidato para a fila andar e assim poder aumentar seus rendimentos, já que, normalmente, não possui grande estrutura e o melhor marketing é o boca a boca: “vai lá naquele CFC, que te ajudam a passar rápido”. É a maldição do “adestramento”.

Sim, o condutor brasileiro é adestrado e não educado para dividir a via pública com o mínimo de civilidade e muito menos preparado tecnicamente para assumir o guidão de uma motocicleta. Educação leva um pouco mais de tempo e isso aniquila a rotatividade de alunos e consequentemente o faturamento, já que o valor para conquistar a CNH é estabelecido pelo Estado.

Esse argumento mostra que o sistema educacional de trânsito precisa ser reformulado, começando pelo fim das escolas privadas (CFC´s).

É possível os DETRAN´s assumirem o papel na educação de trânsito em conjunto com a Polícia Militar que seria responsável pela formação dos instrutores. Estes por sua vez, contratados mediante concurso público para, também, atuarem na rede pública de ensino para cumprimento do artigo 76 do Código de Trânsito Brasileiro – sim, aquele artigo de lei, jamais cumprido, que determina educação de trânsito da pré-escola à pós-graduação.

CRIAR OU COPIAR? – Há quem afirme que o Brasil não deve copiar outros países, criando alternativas de acordo com a cultura local, o que na realidade não faz sentido.

Se pegarmos nosso Direito, a título de exemplo, temos influências dos direitos italiano, romano (quando Roma era Império), francês, anglo-saxão e até grego. Se adotássemos a linha de não copiar ou não utilizarmos um paradigma, não seriamos consignatários de tratados internacionais como a Convenção de Viena sobre o Trânsito Viário, por exemplo.

Pois bem, dois países que culturalmente são parecidos com o Brasil em vários aspectos: festas, bebida, velocidade, paixão por motor, futebol, mulheres são Espanha e Itália, correto?A Espanha pode ser considerada atualmente como referência em trânsito. O país foi capaz de conseguir em 6 anos – de 2005 a 2011 –, a redução de mortes na ordem de 56% em sua via pública. Após o mapeamento e o estudo de dados estatísticos o país cumpriu primeiro seu dever (vias de trânsito com pavimentos perfeitos, excelente sinalização, aumento da fiscalização, que passou a trabalhar em conjunto com o Poder Judiciário) e em um processo de convencimento da sociedade (educação e orientação), que incluiu propaganda de impacto em horário nobre, resultando tal proeza. Quando dizemos “trabalho conjunto do Poder Judiciário e da Fiscalização”, significa que o cidadão precisa ter a certeza da punição, algo que, infelizmente, não ocorre no Brasil.

O que chama atenção neste modelo espanhol, é que o candidato à permissão para pilotar uma motocicleta, tem que cumprir um circuito em determinado tempo. Só quando tiver total controle da moto e percorrer o circuito no tempo estabelecido, é que estará apto a sair com um instrutor para a via pública. Cumprido as exigências de condução nas ruas, é que ele será avaliado e se aprovado, só então considerado apto a obter a licença para dirigir ou pilotar.

Tanto Espanha como Itália já possuem divisão na categoria “A” e autoriza na categoria “B”, a condução de veículos de duas rodas com limitação de potência, triciclo e quadriciclo.

Por ser mais simples e menos burocrátco, o sistema de habilitação italiano (divido em três categorias: A2, A1 e A) limitado a torque/potência e cilindrada, cuja promoção automática por tempo de habilitação e idade, as chances de ser mais eficaz no Brasil, são maiores que o modelo espanhol, um pouco mais complexo por haver mais divisões, cujas limitações são ditadas pela relação peso/potência (AM,A1,A2 e A) e mediante novos exames para promoção.Se a idade mínima para se habilitar nos países europeus são aos 14 anos (Itália) e 15 anos (Espanha), acreditamos que no Brasil não possa se igualar a estes países, dado a falta de cultura de trânsito, todavia, se cumprido, imediatamente, a exigência do artigo 76 do CTB, daqui há 15 ou 20 anos isso poderá ser alterado.

Acreditamos que o ideal para primeira habilitação no Brasil hoje, seja aos 16 anos de idade (há Projeto de Lei nesse sentido), todavia, dado a mudança legislativa necessária para efeitos de responsabilidade civil e penal, aumentando assim a discussão que já se arrasta por mais de uma década no Congresso Nacional e que não sai do lugar…

MEDIDAS IMEDIATAS – A questão é alterar o artigo 143 do CTB, criando uma nova divisão na categoria “A”  e “B” para:

“A1” – permitir a partir dos 18 anos, condução de ciclomotor, motoneta (scooter) e motocicleta até 250cm³, com potência máxima de 25Kw ou 33,990 cv sem passageiro ou garupa;

“A” – permitir aos 21 anos, com mínimo de 3 anos de habilitação, com prontuário ilibado, ou seja, sem pontuação por graves infrações de trânsito e acidentes, a condução de motocicleta sem limite de cilindrada  até o limite de 140 cv de potência;

“A – esportiva” – permitir a partir dos 26 anos de idade, com mínimo de 6 anos de habilitação, sem pontuação por graves infrações de trânsito e acidentes, com curso de pilotagem esportivo em escola credenciada pela Federação local e exame prático na Polícia Militar, a condução de motocicleta de característica esportiva sem limite de cilindrada e potência;

“B” – manter o texto atual, todavia, acrescentando a permissão da categoria “A1”, só para motoneta (scooter) e a partir dos 21 anos de idade poderá levar passageiro ou garupa.

Justifico: As mudanças para categoria “A”, penso que aumentaria a seletividade para concessão da habilitação, exigindo um longo estágio para o condutor melhorar sua aptidão e familiaridade com motocicletas de maior performance.

O sonho de todos seria a criação da categoria “A2” com idade a partir dos 14 ou 16 anos, permitindo a condução de ciclomotor e motoneta ou motocicleta até 125 cm³, com potência máxima de 15 kw ou 20,39 cv, sem passageiro ou garupa. No entanto, como já dito, nosso país não está preparado para essa mudança, tanto no aspecto legal quanto cultural.

“BREVÊ PARA ESPORTIVAS” – A criação da categoria “A-esportiva”, é pelas peculiaridades e características desse segmento que aceleram muito e freiam brutalmente, cuja proporção peso/potência em algumas máquinas chegou a 1/1, demandando uma capacitação diferenciada.

Mas é na categoria “B”, que está o “x” da questão, onde pessoas habilitadas para dirigir carros possam conduzir também scooters – por serem os veículos de duas rodas mais fáceis de conduzir por conta do cambio automatizado. Essa possibilidade proporcionaria o conhecimento do veículo de duas rodas e geraria maior respeito na via pública entre carros e motos. O motorista preciso da oportunidade de ser piloto ao menos na escola. Essa experiência pode ser essencial para a melhor convivência no trânsito entre os veículos de duas rodas e quatro rodas, já que poderá notar que enquanto a estabilidade de um carro é estática, do veículo de duas rodas é dinâmico, ou seja, se parado cai para um dos lados. Acreditamos que a compreensão mútua entre condutores de diferentes tipos de veículos promoveria um trânsito mais humano. Se isso acontecesse de fato, haveria maior respeito e cumprimento ao § 2º, do inciso XII, do artigo 29, do CTB “Respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres”.

Fundamento essa opinião em dois dados estatísticos de Espanha e Estados Unidos: em estudos recentes na Espanha – de 2009 a 2010 – apontou que a cada 10 acidentes entre carros e motocicletas, 7 foram culpa do motorista do carro. A Motorcycle Safety Foundation afirma que em mais de 50% dos acidentes entre carros e motos, a culpa, também é do motorista. Infelizmente aqui no Brasil – que nem sequer há estatísticas qualitativas – a culpa é do motociclista, até mesmo quando isso acontece por conta de um buraco ou faixa deslizante que o derrubou.

Vale lembrar ainda, que permitir a categoria “B” a utilizar um veículo menos poluente e de maior mobilidade, óbvio que estar-se-á colaborando com as questões ambientais e de mobilidade urbana (menos congestionamento), mas esse tema será tratado em outra oportunidade.

Vale dizer que é de suma importância que durante o processo para obtenção da permissão para dirigir, o individuo seja conduzido a estudar e aprender sobre legislação, as definições e classificações das normas e sinalizações de trânsito, definições e classificações de rodovias, estradas, vias urbanas e rurais, definições e classificações dos veículos, noção básica de mecânica e pneus, normas de comportamento, equipamentos de segurança, segurança ativa e passiva, direção defensiva, noções de primeiros socorros – o que fazer e não fazer.

O que me parece mais óbvio: o candidato à concessão da Carteira Nacional de Habilitação – na categoria “A” – deve ser obrigado a utilizar as vestimentas adequadas, desde a primeira aula, especialmente luvas, cuja desculpa é perda de sensibilidade. É preciso mudar… e já!

 

André Garcia*
É motociclista, advogado especialista em Gestão e Direito de Trânsito, colunista em Legislação e Segurança com foco em motocicleta da Revista da Moto!, laureado com o Prêmio ABRACICLO de Jornalismo em 2008 com  a matéria “Resolução 203 – uma reflexão sobre segurança”.

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