O crescimento e a forma das cidades estão historicamente ligados à evolução no sistema de transportes. Nas cidades medievais os deslocamentos eram feitos a pé ou utilizando tração animal, resultando numa forma urbana mais compacta e de usos múltiplos. O surgimento dos bondes e dos trens, permitiu que as cidades crescessem ao longo de suas vias, assumindo conformações mais dispersas, sem contudo perder a relação com o núcleo central da cidade. O advento dos veículos automotivos permitiu que as cidades pudessem crescer em todas as direções, facultando processos cada vez maiores de dispersão e periferização. As cidades contemporâneas possuem estruturas espaciais complexas, determinadas pela topografia, pela distribuição das residências, dos empregos e dos equipamentos urbanos no território, cuja localização espacial decorre em grande medida das políticas públicas de emprego, transporte urbano, habitação e uso do solo. O padrão de movimentação da população nas cidades varia fortemente ao longo do dia, motivado principalmente pelos fluxos de deslocamentos pendulares da casa para o trabalho, estudo ou lazer, concentrados nas horas de pico. Embora a maior parte do emprego ainda se localize nas zonas centrais, tem-se assistido cada vez mais à descentralização do emprego e ao surgimento de sub-centros urbanos, no interior de uma mesma metrópole, com forte impacto sobre o padrão de mobilidade urbana.
Os indicadores mais utilizados para estudar a estrutura espacial das cidades são o valor e o perfil das densidades demográficas, que determinam o consumo de terra per capita e o seu grau de monocentrismo ou policentrismo (proporção de viagens destinadas ao centro da cidade). Geralmente as densidades declinam do centro para a periferia, embora se verifique uma tendência à concentração dos serviços e do comércio nas áreas centrais, contribuindo para a diminuição da população nessas áreas. Nas cidades brasileiras o esvaziamento e/ou encortiçamento dos centros é fenômeno comum, deixando atrás de si um parque habitacional vazio e/ou degradado, muitas das vezes com elevado valor histórico, afetivo e cultural.
As cidades asiáticas apresentam as maiores densidades nas áreas centrais, seguidas das européias. Já as cidades americanas são espraiadas, com elevadas descentralização do emprego e da moradia e calcadas fundamentalmente no transporte rodoviário individual, pois o seu elevado grau de dispersão e as baixas densidades tornam o transporte público menos competitivo. As cidades com altas densidades e predominantemente monocêntricas como as asiáticas e européias, assim como São Paulo e Rio de Janeiro, não poderiam ou não deveriam ter no automóvel particular o seu principal meio de transporte para os deslocamentos que tivessem como destino as áreas centrais, sob pena de incorrer em engarrafamentos gigantescos e consequente perda de bem-estar. Embora seja impossível reduzir a zero os níveis de congestionamento nas metrópoles economicamente dinâmicas, devido à própria existência das economias de urbanização/aglomeração, é possível tentar minimizar as suas externalidades negativas através da integração das políticas de transporte, habitação e uso do solo, priorizando o uso do transporte coletivo. Também é importante incentivar o uso de meios não motorizados, como a bicicleta, comum nas cidades holandesas e asiáticas, e os deslocamentos a pé para distâncias menores. No Brasil, o que se tem verificado, devido à falta de uma gestão integrada da política de transportes e do uso do solo é o aumento da demanda pelos modos de transportes individuais em detrimento do transporte público e o maior consumo de terra e de combustíveis fósseis no trânsito devido ao espraiamento urbano, acarretando aumento de tarifas e elevados custos econômicos, sociais e ambientais, decorrentes dos congestionamentos, que penalizam sobretudo as classes de menor renda, residentes nas periferias longínquas, que gastam muitas horas do seu dia para se deslocar da casa para o trabalho e comprometem grande parte da renda com o pagamento de transporte. O próprio vale-transporte só atinge os trabalhadores do setor formal, deixando de fora a grande massa de trabalhadores informais.
Para a formulação de políticas de mobilidade e transporte urbano bem sucedidas é preciso gerar incentivos econômicos e culturais, bem como melhorar a qualidade dos serviços para tornar os transportes públicos mais atrativos aos olhos dos consumidores. Outras medidas importantes referem-se ao maior adensamento, ao combate aos vazios urbanos e à recuperação das áreas centrais degradadas já servidas de infraestrutura e equipamentos públicos, trazendo novamente a população de volta aos centros das cidades, revitalizando-os, reduzindo as necessidades de deslocamentos motorizados e aumentando a eficiência do sistema urbano como um todo. Por último, a melhoria das condições de mobilidade e de gestão do uso do solo nas cidades e as consequentes diminuições dos custos de urbanização, interação espacial, deslocamento e congestionamento acarretam amplos benefícios sociais, econômicos e ambientais, contribuindo para combater a segregação espacial e tornando as cidades mais seguras, harmoniosas, inclusivas e sustentáveis.
Maria da Piedade Morais
Técnica de Planejamento e Pesquisa e Coordenadora de Estudos Setoriais Urbanos do Ipea
Originalmente publicado na Revista Desafios.
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