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Os bastidores do abuso de velocidade

"A velocidade é uma barra de ferro. Quanto mais rápido, maior a espessura da barra. Tente dobrá-la agora. Essa é a possibilidade de um carro em alta velocidade frear", diz especialista

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Em 2012, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) definiu como tema de sua campanha da Semana Nacional de Trânsito (18 e 25 de setembro) `Década Mundial de Ações para a Segurança do Trânsito – 2011/2020: Não exceda a Velocidade, Preserve a Vida`. Mas, mesmo assistindo a desastres no trânsito repetidamente, o comportamento do motorista insiste na consciência de coletiva de que ‘não vai acontecer comigo’.

A partir disso, o motorista abusa da velocidade, associa bebida à direção e faz da imprudência o argumento de bravura ao volante, questionando, inclusive, a lei e os avisos de velocidade máxima permitida, fiscalização eletrônica e outros dispositivos de mobilidade segura. A Perkons foi conversar com Creso de Franco Peixoto, professor da Unicamp, mestre em Transportes e projetista de sistemas viários, para compreender melhor o papel de cada um dos dispositivos e da padronização de velocidade máxima das vias brasileiras. Acompanhe:

– Qual a importância de respeitar a velocidade máxima das vias?
Minimizar o risco de acidentes rodoviários. Diminuir a chaga imensa que assola nosso país motorizado. Por sua vez, minimizar o sofrimento humano. Atrás do palco do acidente há todo um conjunto de ações desencadeadas. Perda de capital veicular, mobiliário viário, congestionamento pós-acidente, custos de socorro, de internação e de fisioterapias intermináveis. Cadeiras de roda, taxas de manutenção de jazidos que apenas deveriam ser usados na longeva idade. Uma verdadeira coxia de sofrimento de parentes e amigos em primeiro momento. Famílias sem sustento, pais sem esperança da continuidade. Para evitar tudo isto? Conscientização, em campanhas educacionais com recursos de multas (art. 320/CTB). Punição com multas mais frequentes do que excessivamente severas, para que sua verdadeira função se configure: medo de ser flagrado.

A solução definitiva para problemas de trânsito esbarra no nível educacional brasileiro. Para votar melhor. Para entender melhor a Sociedade. Para entender que volante de veículo automotor se equivale a gatilho de arma de fogo, caso não seja utilizado corretamente. Escola, solução. Não uma escola onde os professores tenham que sorrir a aplicar caneta vermelha para anotar erros em provas, quando não se ensina o que é a sociedade e se pereniza a dependência ao Estado. Com a ferramenta do conhecimento e do esclarecimento, diminui-se a pressão para a coibição dos erros ao volante. Trânsito mais seguro. Nação mais feliz.

– Qual o papel do abuso da velocidade no nível de violência dos acidentes de trânsito?
Com o aumento da velocidade, a capacidade do motorista em frear ou desviar reduz drasticamente. A velocidade máxima ou permitida é determinada envolvendo, entre outros fatores, a capacidade de frear depois que se percebe e se reage perante a um objeto de invasão de rota ou veículo em percurso de colisão.

Crédito: Divulgação 

A 100 km/h percorre-se, então, 55 metros antes de se começar a frear.

Caso um excesso de 50% de velocidade ocorra, por exemplo, a 150 km/h, o veículo percorreria quase 85 m sem frear, quase um quarteirão sem nenhuma ação, enquanto a visão do objeto se amplia defronte ao impotente motorista. E, depois que se inicia a frenagem, ainda se depende da rugosidade do piso e da presença ou não de água a lubrificar o contato pneu-piso. A possibilidade de impacto aumenta dramaticamente em proporção ao excesso de velocidade.
Comparemos a trajetória de um veículo a uma barra de ferro. Quanto maior o excesso de velocidade, mais espessa a barra de ferro. Tente dobrar uma barra de ferro de elevado diâmetro. O veículo em alta velocidade também praticamente não faz curvas para desviar nem consegue frear no excesso de velocidade.
Motoristas infratores que não são coibidos tendem a se acostumar com o excesso de velocidade, achando que nada irá acontecer. O infrator irá sofrer acidente que pode ser fatal um determinado dia. A estatística não falha.

– Como é feita a mensuração da velocidade máxima em determinada via?
Projetos de rodovias associam capacidade e velocidade permitida. Quanto maior a capacidade necessária para carrear veículos, maior deverá ser a velocidade permitida. Vias de mobilidade são as que focam grandes distâncias a serem percorridas.
O conforto e as necessidades sociais são demandas a levar o projetista a elevar a velocidade permitida. Vias de acessibilidade, para curtos percursos, a velocidade permitida é menor, sem ferir conforto e a capacidade de atendimento às necessidades de cada viajante e garantindo segurança, em função de constantes variações de velocidade, porque veículos neste tipo de rodovia estão constantemente acessando-a e saindo desta.
Em função da velocidade de projeto, verificam-se as distâncias de frenagem e de ultrapassagem. Para ambas, estudam-se os campos de visão do motorista em todos os pontos de risco. A distância prevista de frenagem leva em conta o tempo de percepção e de reação do motorista, o coeficiente de atrito pneu-pavimento e da declividade do trecho. A distância de ultrapassagem, por sua vez, leva em conta a capacidade de aceleração e distâncias de segurança entre veículos.
Contudo, a elevação do tráfego (o aumento da demanda veicular), o avanço na idade do pavimento que acarreta maior volume de irregularidades no piso bem como superfície com coeficiente de atrito menor, associada aos fatores veiculares como desgaste excessivo dos freios, amortecedores inoperantes e estresse do condutor perante o excesso de veículos, tendem a minimizar a segurança e exigir redução da velocidade permitida. Neste momento a velocidade permitida passa a ser menor que a velocidade de projeto. A Via Anhanguera tem sofrido reduções de limite de velocidade em trechos e sobrecarga de demanda.

Crédito: Gazeta Virtual

A falta de estrutura também influencia na definição da velocidade máxima permitida e na periculosidade da via

– Em que bases esse limite é padronizado?
A topografia mais acidentada acarreta geometria viária com redução de velocidade, como a transposição de morros em vez de cruzamento de região plana, em função do volume de curvas e dos seus raios menores, ou seja, alto volume de curvas mais fechadas. A capacidade exigida de tráfego, por outro lado, exige o aumento de velocidade. Quando se tem rodovia para alta demanda e em região montanhosa, seus custos de incorporação se alteram consideravelmente. Uma rodovia vicinal em região plana, custo construtivo da ordem de, por exemplo, US$ 100.000,00 por quilômetro.
Em outras palavras, a disponibilidade financeira e a prioridade do investimento são fatores balizadores na velocidade de projeto, que deve ser a velocidade permitida, pelo menos enquanto não houver excesso de tráfego.

– Que elementos podemos apontar responsáveis por causar interferência na percepção do motorista com relação a sua real velocidade?
Excesso de velocidade. A emoção da alta velocidade e a percepção errada de que se está seguro viajando assim exige do poder constituído ação forte para minimizar o volume de mortos e feridos decorrentes da displicência quanto às regras de trânsito e ao Código de Trânsito Brasileiro, lei nacional 9503/97, uma verdadeira ferramenta para salvar vidas e que precisa ser respeitado.

Crédito: Jornal Região Sudeste

A opinião de que radar tem função apenas de coletar recursos do bolso do motorista infrator é errada. Multas aplicadas de forma correta salvam vidas.

O motorista que sabe que não pode, mas insiste precisa ser multado e ter, em função de excesso infracional, ter carteira suspensa e cassada. É melhor que fique reclamando, mas não acarrete a morte de outrem. É melhor que entre com recursos contra a multa do que seja mais um sob uma lápide da desgraça da reação de forte impacto a gerar sua morte.
Não há dúvida que o álcool, drogas ou sono levam a um estado de redução de atenção e são geradores de graves acidentes. O álcool, na realidade, gera redução sensível de capacidade reativa acima de 0,5 g de álcool por litro de sangue. Hoje, a redução para alcoolemia zero tem função de facilitar o aprendizado na forma não pode beber. Contudo, o copo de cerveja e a taça de vinho estão na mesa do brasileiro. Não bastam espetáculos quase circenses para mostrar veículos parados e motoristas multados em vias cariocas ou paulistanas. Em pesquisas recentes, há cidades em que o motorista tem plena convicção de que pode beber para guiar, mas não pode bater, para não ter problema com álcool.

Crédito: Divulgação

Professor Creso – especialista em trânsito fala sobre os problemas do abuso da velocidade no trânsito

Mas alcoolemia tratada assim gera assimetria de peso da infração em relação a outros fatores geradores de acidentes e tende a constranger agentes de trânsito a aplicá-la. E quantos brasileiros sabem o tempo que leva para sair o álcool do sangue? Quantos têm noção de que 0,15 g de álcool se metaboliza por hora? Então, quando poderão pegar o carro depois da refeição? Não há informação de massa para tanto. Parece que se busca estabelecer nesta campanha o conceito da proibição da ingestão de álcool.
Uma proposta? Retorno ao limite anterior de alcoolemia, mas firme fiscalização e sob exame que foque veiculo inicialmente: em alta velocidade, em movimento irregular. Além disso, o modelo brasileiro é transparente a outras drogas. Isto é um problema sério, afinal, tende a gerar a ideia que convém usar outras drogas do que beber. E beber e dirigir, mata.

*Creso de Franco Peixoto é engenheiro civil e Mestre em Transportes. Projetista de sistemas viários. Professor de disciplinas de Transportes em Cursos de Engenharia Civil. Coordenador de Curso de pós-graduação lato sensu em Engenharia Rodoviária. Pesquisador de Universidade Pública. Escritor de temas em transporte rodoviário e aéreo. Ex-piloto civil. Também é professor da Fundação Educacional Inaciana.

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