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O tripé do trânsito está manco

por Archimedes Azevedo Raia Jr.*

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O trânsito pode ser considerado como um sistema constituído de três elementos, ser humano, veículo e via/meio ambiente, os quais, na maioria absoluta das vezes, interagem de maneira adequada entre si. Quando essa interação não ocorre de maneira equilibrada, em razão de falha de um ou mais fatores associados a esses elementos (base da teoria multi-causal), pode ocorrer o acidente.
Este equilíbrio nem sempre é muito fácil e para que se consiga efetivamente esta harmonia, são necessários grandes esforços em três áreas fundamentais: a Engenharia, o Esforço Legal, e a Educação para o Trânsito. Juntas, elas formam o famoso tripé dos 3Es.
A área relacionada com a Engenharia pode ser definida como o ramo da ciência responsável pela segurança e fluidez das vias onde ocorre o trânsito de pessoas, veículos e animais. A Engenharia tem como competência o projeto de vias e facilidades, a sua construção, a correta manutenção, além da sinalização das vias públicas. Também é pertinente à Engenharia o planejamento e a operação dos sistemas de trânsito e de transportes.
A segunda área, chamada de Esforço Legal, possui como meta a mudança ou prevenção de comportamentos inadequados dos usuários do sistema de trânsito. Isto pode acontecer por meio de apoio a comportamentos positivos, ou através da coibição e aplicação de sanções àqueles cujos comportamentos levem à transgressão da legislação. Estão inseridos nesta área, o policiamento e fiscalização de trânsito, a autuação, a aplicação de penalidades, a apreciação de defesas e o julgamento de recursos, com o intuito de assegurar a plena obediência à legislação pertinente à segurança do trânsito.
Por fim, a terceira área, a Educação para o Trânsito, considerada um aspecto de grande importância para a segurança do sistema. Os usuários das vias devem apresentar adequados comportamentos. O CTB-Código de Trânsito Brasileiro, reconhecendo a grande importância do tema, dedica um capítulo inteiro (Capítulo VI) à Educação para o Trânsito. Esta educação deve levar em conta todos os usuários, quer sejam motoristas/condutores, pedestres, passageiros, etc.
Para se ter a noção da importância do equilíbrio que deve haver entre as três “pernas” deste tripé, imagine o que acontece com a foto obtida por uma máquina fotográfica apoiada em um tripé com “pernas” de tamanhos diferentes. A foto não servirá para quase nada.
Assim é também no trânsito. Quando o tripé esta todo torto, sem harmonia, com cada “perna” possuindo dimensões distintas, o trânsito apresentará um quadro disforme e confuso. O que é ainda pior, totalmente inseguro.
Embora os números possam variar em cada país, mesmo porque a obtenção de dados das causas contributivas não é um processo tão simples, pode-se afirmar que os acidentes ocorrem com a participação direta do comportamento inadequado do ser humano em cerca de 90% das vezes, da via/ambiente, 6%, e o veículo, 4%. Em geral, os acidentes ocorrem com a participação de mais de um destes fatores, simultaneamente.
Destes três fatores, certamente aquele que mais evoluiu foi o automóvel. Desde os tempos de Ralph Nader, nos anos 1960, quando este advogado americano travou uma grande batalha contra a indústria automobilística, com o objetivo de tornar os automóveis mais seguros, temos acompanhado sérias e consistentes evoluções nestas máquinas, inclusive nos modelos produzidos no Brasil. Nader, em 1965, publicou um livro emblemático sobre a indústria automobilística norte-americana, chamado Unsafe at Any Speed (Inseguro em Qualquer Velocidade).
No campo da Engenharia Rodoviária e de Tráfego, o conhecimento também avançou de maneira notável. No entanto, por questões de vontade política e/ou falta de recursos, as rodovias e vias urbanas administradas pelo poder público brasileiro, via de regra, carecem de aspectos construtivos adequados, modernos e de manutenção minimamente aceitável. Um quadro completamente oposto pode ser verificado na maioria das rodovias controladas por empresas concessionárias. As pesquisas anuais sobre a qualidade das rodovias brasileiras, realizadas pela Confederação Nacional dos Transportes – um grande serviço prestado à sociedade – mostram nesta direção.
Por fim, a questão relacionada com o ser humano, expresso no seu comportamento, vai de mal a pior. Nunca se viu tanta gente pega dirigindo sem habilitação ou com ela vencida, em estado de embriaguez, sob o efeito de drogas (lícitas ou ilícitas), em total descumprimento à legislação de trânsito, etc.
Tudo isto mostra que a educação para o trânsito, que o Art. 74 do CTB enfatiza que “é direito de todos e constitui dever prioritário para os componentes do Sistema Nacional de Trânsito” e a Política Nacional de Trânsito, de 2004, tem como um dos objetivos prioritários “promover a educação para o trânsito”, foram esquecidos, colocados em terceiro plano.
A sociedade não cobra das autoridades um seu direito legítimo. Creio que caberia ao Ministério Público exigir o seu efetivo cumprimento, impetrando ações no âmbito do judiciário.
Em relação ao Denatran, apenas alguns cursos, e ações voltadas à educação que praticamente se restringem a campanhas sazonais midiáticas, que parecem não trazer, de forma isolada, os resultados esperados. Há que se salientar, no entanto, que o Funset-Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito, criado pelo Art. 320, da Lei 9.503/97 e regulamentado pela Lei 9.602/98, fica com grande parte dos seus recursos contingenciados pelo Governo Federal. Segundo texto publicado na Trânsito em Revista (agosto 2011), nos últimos anos, somente 27% dos recursos (R$ 770 milhões) foram efetivamente usados pelo Denatran, para campanhas e programas de prevenção.
O Art. 24 do CTB reza que compete aos órgãos executivos municipais de trânsito “promover e participar de projetos e programas de educação e segurança de trânsito de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo CONTRAN”. No art. 72, tem-se que “Os órgãos ou entidades executivos de trânsito deverão promover, dentro de sua estrutura organizacional ou mediante convênio, o funcionamento de Escolas Públicas de Trânsito”. O processo de municipalização do trânsito ratifica em tudo estas atribuições.
Nada disso, no entanto, ocorre na maioria das cidades com trânsito municipalizado. E ninguém parece se importar. A Educação? Ora, a educação. Ela só dá despesas…é o que pensa a maioria dos políticos.
Por outro lado, uma prática que se encontra disseminada pelos órgãos gestores é a colocação de radares, que apesar dos custos de implantação não serem pequenos, propicia uma fabulosa arrecadação em multas. Não se tem verificado que, apesar da fiscalização ser absolutamente necessária (é uma “perna” do tripé), estas ações estejam proporcionado resultados educativos, principalmente, com relação aos motoristas/condutores. Tem sido mais fácil investir em radares do que em educação.
Na forma como a situação se encontra, não se pode esperar que o comportamento dos motoristas/condutores se modifique em curto prazo. Isto implica que, no Brasil, continuarão perdendo a vida mais de 40 mil pessoas, anualmente, em virtude dos acidentes de trânsito. E ninguém faz nada!!!

 

*Prof. Dr. Archimedes Azevedo Raia Jr.
Engenheiro, mestre e doutor em transportes pela USP, professor e coordenador do Núcleo de Estudos em Engenharia e Segurança de Tráfego Sustentável da UFSCar e co-autor do livro “Segurança no Trânsito”, Ed. São Francisco. E-mail: raiajr@ufscar.br

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