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Notificação Eletrônica de Infrações de Trânsito

Por Vanderlei Santos*

Publicado em

“A justiça morosa não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta.” Rui Barbosa.

As leis de trânsito têm por objetivo central a orientação e regência do trânsito viário por pessoas, veículos e animais, estabelecendo normas que assegurem uma convivência segura entre uns e outros. Normas essas que no intuito de atingirem seu desígnio, preveem um conjunto de ações que não devem ser realizadas pelos indivíduos, tendo como resultado de sua pratica indevida, a infração.

A infração, como já salientado, é o desrespeito as regras de trânsito, sendo conceituada pelo mestre Arnaldo Rizzardo[1] da seguinte forma:

“O termo infração corresponde a todo o desrespeito ou vulneração de leis, sendo ampla a abrangência, pois atinge qualquer dispositivo da ordem jurídica vigente de um País. Compreende as leis constitucionais, as leis penais, as leis civis e as administrativas”.

Para cada infração o Estado impõe uma consequência natural, que é a penalidade, fazendo valer seu ius puniendi. Ao analisarmos, de forma objetiva, as penalidades, podemos resumir em dois tipos de caráter: preventivo e reprovativo.

Como caráter preventivo por intimidação, os indivíduos deixam de adotar certas condutas por conhecerem a punição de outros ou, ainda, tenta ‘infundir, na consciência geral, a necessidade de respeito a determinados valores, exercitando a fidelidade ao direito’[2].

Como caráter reprovativo, as penas objetivam a imposição de sanção pelo desrespeito concreto da norma pelo indivíduo e, adiante, fazer com que este medite sobre suas ações e sopese as consequências advindas.

Neste contexto, quando da aplicação da penalidade pelo Estado, decorrente de infração praticada pelo individuo contra as normas de trânsito, essa se deve dar de forma adequada, dentro dos limites estabelecidos na lei, assegurando os direitos e princípios constitucionais, principalmente os da ampla defesa e do contraditório, sempre de forma tempestiva e efetiva.

Isso porque, se a penalidade tem como objetivos reprovar a conduta do indivíduo e servir de exemplo à sociedade, na tentativa de evitar o descumprimento a Lei, por certo que sua aplicação deve ocorrer imediatamente ou pouco depois da conduta infracional. De outra sorte, a mesma deixará de fazer sentido e estará dispersa de seus fins. Entretanto, repisa-se a necessidade de respeitar aos direitos individuais constitucionalmente previstos, podendo a penalidade somente ser aplicada quando garantida a ampla defesa e o contraditório, concretizada através de um processo administrativo e/ou judicial.

A questão da razoável duração do processo, previsão estabelecida na Lei Maior, muito debatida pelos juristas, é de grande valia as lições de Miguel Reale Júnior[3] ao aduzir  não há nada pior que a injustiça célere, que é  a pior forma de denegação da Justiça. Por outro lado, o excesso de tempo na prestação jurisdicional pode-se tornar até mesmo injustiça. Neste diapasão, Rui Barbosa, que com a genialidade que lhe era peculiar, mencionava que “a justiça morosa não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.

Deve-se, ainda, a respeito da razoável duração do processo, repisar a doutrina do renomado processualista Marinoni[4] que traz:

“Acontece que não há como deixar de questionar a real capacidade de o processo atender às necessidades dos jurisdicionados e, para tanto, além de problemas como o do custo, importa o significado que o tempo aí assume, em especial como o tempo repercute sobre a efetiva proteção do direito material”.

A matéria é de tal importância para a sociedade como um todo, que através da Emenda Constitucional de n.45, restou consagrada na Carta Magna o acréscimo do artigo 5º, inciso LXXVIII, trazendo “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Entrando no patamar da efetivação deste direito, consagrado na Constituição Federal, são às autoridades competentes que possuem o dever de adoção dos instrumentos cabíveis e disponíveis.

Um destes instrumentos que visam à efetivação da celeridade processual, atrelada a rapidez na aplicação de penalidade à infração de trânsito pelo indivíduo, está expresso na Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, prevendo:

Art. 282. Aplicada a penalidade, será expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil, que assegure a ciência da imposição da penalidade.

Desta forma, a autoridade competente poderá notificar o proprietário do veículo ou o infrator por descumprimento legal das normas de trânsito por qualquer meio tecnológico, não estando obrigado a restringir-se à remessa postal.

Matéria essa que já tratamos[5] oportunamente, comentando referido artigo:

Neste tema, importante ainda ressaltar que é possível a autoridade utilizar-se de qualquer meio tecnológico hábil. Nada impede, desta feita, dos órgãos cadastrarem endereços eletrônicos (e-mail) dos proprietários de veículos e efetivarem a notificação por este instrumento, podendo ainda configurar a ferramenta de recebimento pelo destinatário.

Por certo que haviam problemas a serem enfrentados, como a dificuldade em cadastrar os proprietários e condutores de veículos automotores, garantir a segurança do envio e recebimento das notificações, provar que o particular recebeu o documento eletrônico. Essas questões fizeram com que a Administração Pública não evoluísse neste aspecto e as notificações por infrações às regras de trânsito continuaram a ser emitidas pela via postal.

A matéria evoluiu nos últimos cinco anos, indo além das notificações por meios tecnológicos hábeis, existindo inclusive regulamentação sobre uso do meio eletrônico para tramitação do processo judicial, denominado processo eletrônico.

Note-se que o Judiciário sempre demonstrou ser o mais reticente a utilização dos meios eletrônicos, pelas questões relativas a garantia de acesso às informações e, principalmente, a segurança e fidelidade destas. Porém, a Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006, já dispunha sobre a informatização dos processos judiciais, deixando expresso:

Art. 9º  No processo eletrônico, todas as citações, intimações e notificações, inclusive da Fazenda Pública, serão feitas por meio eletrônico, na forma desta Lei

Para ilustrar, podemos mencionar a Resolução n. 344, do Supremo Tribunal Federal, que institui o processo eletrônico (e-STF), regulamentando a possibilidade de transmissão por meio eletrônico de Recursos Extraordinários ao Supremo.

Ainda, as resoluções n. 2 e 9, ambas do Superior Tribunal de Justiça, regulamentam o processo eletrônico naquela Casa, permitindo ajuizamento eletrônico de Habeas Corpus e Recursos em HC.

E, para finalizar, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, objetivando a informatização do Judiciário, implantou o processo eletrônico em diversas comarcas do Brasil, passando a utilizar o PROJUDI, sendo um sistema de tramitação de processo do CNJ.

Todas as situações até aqui mencionadas, somadas às necessárias modificações, adequando os procedimentos administrativos de trânsito às tecnologias apresentadas a disposição das autoridades competentes, têm sido recomendadas e adotadas em vários países do mundo. Toma-se, como exemplo, o estudo encarregado pela Direção Geral de Trânsito da Espanha a um grupo de catedráticos de direito administrativos, liderados pelo professor Miguel Sanches Morón, professor da Universidade de Alcalá de Henares (Madrid), sendo enfático ao defender que a agilidade no processo sancionador depende de que “as notificações se realizem habitualmente por via eletrônica, ou, na impossibilidade, por via telefônica”[6].

Outro membro do grupo de juristas espanhol, Manuel Rebollo diz crer que “com os deveres formais que se apresentam na lei e seu desenvolvimento, restará escassa a margem para os problemas que atualmente se apresentam as notificações”.

Mas, diante de toda esta explanação, podemos questionar a segurança do uso do meio eletrônico. Situação que levou a regulamentação por meio de Medida Provisória o uso de assinatura digital, lastrado em certificações emitidas por autoridade certificadora credenciada, para garantia da segurança, integridade e validade jurídica dos documentos eletrônicos. Proporcionando garantia das informações prestadas, permitindo que as notificações e, mais amplamente, os processos eletrônicos sejam tratados num ambiente plenamente seguro.

Sobre o tema, Almeida Filho (2007, p.174) entende que:

“Trata-se de segurança necessária para as transações comerciais especial para a utilização de transmissão de atos processuais por meio eletrônico. Importante ressaltar, ainda, que todos os sujeitos do processo devem possuir certificado de assinatura digital, a fim de garantir segurança e confidencialidade dos dados transmitidos pela Internet.”

Importante frisar que os órgãos de trânsito podem solicitar um endereço eletrônico (e-mail) quando do registro ou licenciamento do veículo e, da mesma forma, no momento do cadastro para permissão de dirigir, da emissão da CNH ou sua renovação.

E cumprem, por determinação do Código de Trânsito Brasileiro, ao proprietário e ao condutor, manterem atualizados o endereço, caso contrário, a notificação devolvida por essa razão, será considerada válida para todos os efeitos (§1º do art. 282 do CTB ).

A leitura do conteúdo das mensagens também é de inteira responsabilidade do proprietário ou condutor, da mesma forma que ocorre com as correspondências postais. Deve a Administração Pública estar segura da expedição e do recebimento adequado das notificações.

Os órgãos de trânsito também podem se utilizar dos Diários Oficiais Eletrônicos, que substitui a versão impressa, assim como pode replicar a informação em seu sítio na rede mundial de computadores. Basta, para tanto, que o sitio e as publicações dos atos estejam assinados digitalmente, com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada.

A utilização dos meios eletrônicos no processo administrativo de trânsito é fundamental para assegurar o trâmite do processo em tempo razoável, como previsto na Magna Carta/88 e, destarte, permitir que o Estado imponha oportunamente as penalidades previstas no Código de Trânsito Brasileiro, de forma a atingir seus objetivos.

Ademais, outro fator inegável é a redução drástica de custos com a utilização dos meios eletrônicos para efetivação das notificações, de autuação e de imposição de penalidades, previstas pelo CTB.

Tomando-se como referência o contrato de fiscalização das rodovias estaduais do Rio de Janeiro, que monitoram o respeito à velocidade regulamentar, avanço de semáforo e parada sobre a faixa de pedestre em 164 pontos do estado, sendo que nos últimos 06 meses foram emitidas em média 54.177 notificações por infrações de trânsito ao mês.

Considerando-se um custo médio de R$ 2,85 cada notificação emitida pelo Estado para atendimento aos artigos 281 e 282 do Código de Trânsito Brasileiro, no caso em apreço ter-se-ia um custo de aproximadamente R$ 1.850.000,00 (um milhão, oitocentos e cinquenta mil reais) ao ano. E, adiante, sabe-se que aproximadamente 40% destas notificações não são adequadamente entregues aos destinatários, sendo devolvidas ao ente publico pela empresa contratada para a entrega frustrada, obrigando a autoridade administrativa a providenciar notificação editalícia posteriormente.

Desta maneira, pode-se concluir que a utilização das ferramentas eletrônicas disponíveis, mais precisamente fazendo notificações por correio eletrônico, é medida adequada ao ordenamento jurídico, cumprindo o exposto na Constituição Federal e no Código de Trânsito Brasileiro, permitindo que o processo administrativo finde em prazo razoável e, se for o caso, o Estado aplique a penalidade cabível ao caso concreto por descumprimento às normas de trânsito adequadamente, e evitando pesados dispêndios ao Erário Público.

[1] RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro. 6ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2007, p. 572.[2] QUEIROZ, Paulo de Souza. Função do Direito Penal. 2ª ed. São Paulo: RT, 2005, p. 40.[3] Valores Fundamentais da Reforma do Judiciário. São Paulo: Revista do Advogado. v. 24, n. 75, p. 78-82.[4] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2008, p. 188.[5] SILVA JR., Vanderlei Santos. Direito de Trânsito: Processo Administrativo. Curitiba: Perkons, 2008, p. 147.[6] DGT: Tienes un em@il? Madri: Tráfico y Seguridad Vial. Nov-dec 2007, p. 33.

 

Vanderlei Santos*
Advogado, especialista em direito administrativo de trânsito e gerente comercial da Perkons. É autor da obra “Direito de Trânsito – Processo Administrativo” .

 

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