Desde a sanção da Lei 1.705, em 19 de junho de 2008, a chamada Lei Seca, que alterou o Código de Trânsito Brasileiro, no que concerne a ingestão de bebidas alcoólicas e posteriormente dirigir veículos automotores, vem passando por altos e baixos. Conquistas e perdas. Alegrias e tristezas.
Por vezes, tem-se a sensação de que o antigo problema de se dirigir sob o efeito de álcool será equacionado e resolvido de maneira a preservar a vida humana. Em outros, a impressão manifesta é a de que não há jeito mesmo.
Depois de diversos acontecimentos de registros de acidentes envolvendo condutores ébrios, nos quatro cantos do país, onde dezenas de mortes foram registradas. Depois de se ter a impressão de que o DETRAN-DF teria que criar uma sala específica para formar uma turma só de ministros que devem fazer o curso de reciclagem de trânsito. Depois de constatar que o técnico da seleção, o cargo mais importante no futebol brasileiro, pego pela blitz da Lei Seca do Rio de Janeiro, se recusou a assoprar o bafômetro, levou sete pontos na carteira e quase mil reais de multa e habilitação apreendida. Depois de tudo isso, acreditava-se que faltava pouca coisa a ser acrescentada no estranho mundo do trânsito brasileiro. Ao menos em termos de novidades proeminentes.
Ledo engano. Nesta quarta feira, 28 de março, o STJ-Superior Tribunal de Justiça deliberou finalmente que apenas o bafômetro e o exame de sangue poderão atestar o estado de embriaguez de um condutor. As provas testemunhais ou exame médico não são suficientes.
Outro balde de água fria na Lei Seca, que mais uma vez sofre um duro golpe. Novamente volta-se ao fato de que “o motorista não é obrigado a produzir provas contra si”. Uma testemunha não pode atestar, de maneira científica, a quantidade de álcool no sangue. Portanto, a comprovação de bebedeira por parte de condutores e motoristas pode-se se tornar quase que inviável.
Um dos ministros foi taxativo: “não é crime dirigir sob efeito de álcool. É crime dirigir sob efeito de mais de um mínimo de seis decigramas de álcool por litro de sangue”.
Não se quer aqui debater a letra jurídica, até porque não é a nossa seara. O que se coloca como fator importante e crucial é o fato que no Brasil morrem anualmente mais de 40 mil pessoas. Os dados sobre a participação do álcool nesta quantidade de mortes não é precisa.
No entanto, o Programa Acadêmico sobre Álcool e outras Drogas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, realizou pesquisa considerando as vítimas fatais de acidentes de trânsito, e os resultados mostraram que o álcool estava presente em aproximadamente de 75% dos casos.
Generalizando-se este resultado, pode-se inferir que, anualmente, no Brasil, morrem mais de 30 mil pessoas devido ao álcool no trânsito. Dessa forma, o chamado direito que cada indivíduo tem de não produzir prova contra si, ou seja, um direito individual prevalece sobre o direito coletivo de não ser morto ou gravemente lesionado no trânsito.
Repete-se aqui, não se discute se deve ou não ser aplicada a lei. Aliás, a lei deve ser sempre aplicada. No entanto, diante de um quadro tão estarrecedor como este, mais de 30 mil óbitos, a cada ano, constata-se a falta de vontade política na resolução de um problema tão sério e grave.
A Organização das Nações Unidas tem tomado a iniciativa de promover medidas de restrições a países onde a vida de civis não é respeitada, como são os casos de Síria, Egito, Iêmen, etc. Porém, as atrocidades contra estes seres humanos, nestes países, levando-os à morte, estão longe de ser comparadas com aquelas que são cometidas no Brasil, não pelas “tropas” do Governo, mas pelo “batalhão” dos embriagados. Nem por isso são julgados por crimes contra a humanidade.
O pior de tudo é que a sociedade brasileira, parece, perdeu a sensibilidade, não fica mais indignada e aceita tudo passivamente, como se o problema não fosse afeto a ela, com cada um. A cada dia após dia 85 seres humanos, pais de família, mães de família, filhos de família são assassinados no trânsito brasileiro. São seres humanos são criaturas únicas, são dons de Deus, com significado impar para os seus caros. A cada hora 3,5 filhos desta pátria mãe gentil são extirpados da convivência humana e o direito individual de matar dirigindo-se um veículo em estado temulento (crime doloso) é maior o direito ao dom da vida.
O que será que a sociedade brasileira está esperando para fazer algo de concreto para mudar este quadro? Afinal, o que acontece no Brasil, se em muitos países a lei estabelece a obrigação de se submeter ao bafômetro? Será que não existem deputados, senadores, gestores, juízes, advogados, desembargadores capazes de oferecer uma solução para esta matança? Até quando esta tragédia anunciada, programada e confirmada se manterá impávida? Será ela eternizada e entendida como uma doença para a qual não se tem remédio ou cura? Recuso-me a acreditar e aceitar.
*Prof. Dr. Archimedes Azevedo Raia Jr.
Engenheiro, mestre e doutor em transportes pela USP, professor e coordenador do Núcleo de Estudos em Engenharia e Segurança de Tráfego Sustentável da UFSCar e co-autor do livro “Segurança no Trânsito”, Ed. São Francisco. E-mail: raiajr@ufscar.br
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