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A Lei Seca trata apenas o efeito, aponta sociólogo

Professor da USP, Álvaro Gullo explica que a causa da violência no trânsito é toda uma simbologia social

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Doutor em Sociologia, o professor Álvaro Gullo, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), aponta – após cinco anos de Lei Seca – que o comportamento dos motoristas mudou, mas ainda há um longo caminho a percorrer rumo à erradicação da violência no trânsito.

Segundo o especialista, a Lei trata apenas de um dos efeitos de um problema muito maior: uma simbologia social de poder e status em volta do automóvel, causada principalmente pela publicidade e propaganda. A solução estaria, de acordo com ele, atrelada a um investimento pesado do governo em campanhas de conscientização, agindo na causa, e não só em efeitos.

“O indivíduo transforma o automóvel em um deus”, afirma Álvaro Gullo.
Crédito: Arquivo Pesoal.

Perkons – A Lei Seca trouxe uma mudança real para as ruas brasileiras?

Álvaro Gullo – É uma forma de controle: diminuiu um pouco o índice de acidentes com bêbados, mas o problema é maior do que isso: trata-se do que está na cabeça das pessoas. O carro tem um significado muito importante na mente dos indivíduos. Toda a publicidade dá um valor demasiado ao carro, parece que tem mais valor que o ser humano. A Lei Seca trabalha com o efeito. A causa seria esse símbolo que o carro representa. Mas o marketing não está de acordo com isso, porque quer vender. A lógica da sociedade capitalista mercadológica é muito valorizada em detrimento da desmistificação dessa simbologia social.

Perkons – Como se manifesta esse valor exagerado ao automóvel?

AG – É um símbolo de poder, prestígio, status, liberdade, independência. Isso é muito avassalador na mente dos indivíduos, especialmente dos jovens. Com o automóvel, há a promessa de que você teria tudo: conquista, desejos, liberdade. Isso atribui um valor muito grande ao automóvel em detrimento das leis, do respeito, do pedestre, dos outros motoristas. Há toda uma simbologia social que supervaloriza o veículo. O carro passa a ter, na sociedade de hoje, até um significado sexual.

Perkons – Esta seria a causa da violência no trânsito?

AG – Essa simbologia social causa o uso indiscriminado do automóvel, o que causa a violência no trânsito. Ele seria apenas um meio de transporte, mas hoje vai muito além disso: símbolo de poder, prestígio etc., como já trazido. O indivíduo transforma o automóvel em um deus. É prejudicial, principalmente entre os jovens, que ainda não experimentaram sanções sociais. Um exemplo são os rachas, que não respeitam ninguém nem qualquer lei existente. Neles, o veículo está longe de ser tratado como o que ele é de verdade: apenas um meio de transporte.

Perkons – Qual seria a solução diante deste quadro?

AG – Usar o veículo de uma maneira adequada, tratando-o como ele é de fato: apenas um meio de transporte, e não um poderio nas mãos das pessoas. A culpa vem da publicidade e propaganda, que alimenta e justifica isso. O cidadão quer demonstrar domínio sobre a máquina, poder, status. As aparências enganam e o carro é todo aparência. E as propagandas fazem o indivíduo desejar uma coisa que ele não é, transferindo esse desejo ao carro. A solução estaria em agir exatamente nos meios de comunicação. Há que dar um valor maior ao ser humano: a vida é muito mais importante, as pessoas, a família, o respeito. Outra frente de solução seria a punição severa dos criminosos de trânsito. No Brasil, dificilmente quem mata no trânsito é punido de maneira exemplar: a lei é branda e os juízes não dão ênfase a essa legislação existente. Há casos absurdos todos os dias e, se houvesse a punição adequada ao grau de criminalidade, reincidências seriam evitadas.

Perkons – Você vê alguma esperança de conciliar a lógica de mercado com a desmistificação dessa simbologia social representada pelo automóvel?

AG – Só se o governo investir numa campanha grande de esclarecimento da população. A publicidade maciça entra na cabeça das pessoas e elas mudam então o seu comportamento. Exemplo disto foi a recente propaganda em São Paulo sobre parar na faixa para os pedestres que estão atravessando a rua na qual os carros estão virando (em cruzamentos). A partir desta publicidade, muitos começaram a respeitar mais o pedestre e até a parar em faixas onde não há semáforo para controle do trânsito.

Perkons – Você acha que as autoescolas têm um papel nisso também?

AG – Deveriam ter, mas não têm, pois não se interessam por isso. Alguma legislação deveria obrigar as escolas a incluir isso no currículo, não só como um conteúdo a ser passado “por alto”, mas sim dando uma verdadeira ênfase, como um dos principais tópicos a serem ensinados aos pleiteantes à Carteira Nacional de Habilitação.

 


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