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A acidentalidade viária no mundo

por Archimedes Azevedo Raia Jr.*

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O Relatório Anual de Segurança Rodoviária 2011, do Grupo Internacional de Dados e Análise de Segurança de Tráfego (IRTAD), acaba de ser divulgado pelo Fórum Internacional de Transporte da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE).
O Fórum Internacional de Transporte da OCDE é uma organização intergovernamental, com 53 países membros, que age como um instituto de políticas estratégicas para o setor de transportes, além de organizar um encontro anual de ministros de transportes dos países membros. Desse grupo, fazem parte os países americanos: Argentina e Estados Unidos. O Brasil, sexta maior economia do mundo, infelizmente, não faz parte desse grupo.
O Relatório 2011, publicado em 2 de maio de 2012, analisa o desempenho da segurança viária em 32 países, em 2010, e também inclui os mais recentes de dados, ainda provisórios, para 2011.
Como é de conhecimento de muitos, em todo mundo, cerca de 1,3 milhão de pessoas morreram e 50 milhões ficaram feridas em acidentes de trânsito, em 2010. Noventa por cento das vítimas foram em países de rendas baixa e média.
Países com mais altas rendas estão conseguindo mitigar a sua acidentalidade viária há décadas, com reduções recordes com relação às mortes em acidentes viários. Os países emergentes, por sua vez, submetidos a processos de motorização muito rápidos, no entanto, estão assistindo os seus números de vítimas de tráfego crescerem, ano após ano.
Em vista disso, a Organização da Nações Unidas lançou, em 2011, o programa “Década de Ação para a Segurança Rodoviária”, com o objetivo inicial de estabilizar e, posteriormente, reduzir as mortes no trânsito, até 2020.
Os dados nacionais levantados pelo IRTAD, para o ano 2010, mostraram que: i) as mortes no trânsito continuaram a cair na maioria dos países participantes do IRTAD; ii) vários países atingiram níveis recordes em quedas no número de mortes no trânsito.
Mais recentemente, os dados provisórios, para 2011, mostram uma tendência contínua de redução para muitos países do IRTAD, porém, em 50% dos países da União Européia, observou-se um aumento no número de mortes, em 2011.
Para Fred Wegman, Presidente da IRTAD, é preciso olhar com cautela esses dados, pois será necessário fazer uso de uma retrospectiva para avaliar se o aumento nesses números de mortos, em alguns países, em 2011, é uma readaptação após grandes reduções nos últimos anos ou se a tendência de queda atingiu um patamar que exigirá políticas adicionais que deverão ser implementadas para se atingir novamente o processo que conduzirá à novas reduções.
Não obstante o desempenho inesperado, em 2011, vários países registaram uma redução mais acentuada no número de mortes nos últimos três a quatro anos do que durante os últimos 15 anos. Como exemplo, pode-se citar: Estados Unidos, Hungria, Irlanda e Dinamarca.
Segundo o IRTAD, é possível que a crise financeira e econômica que atingiu boa parte do mundo, recentemente, produziu um impacto positivo sobre as estatísticas de segurança no trânsito, através de uma variedade de efeitos: uma diminuição da mobilidade, menos transporte de mercadorias por veículos pesados, menos motoristas inexperientes de alto risco nas estradas ou uma redução na condução de veículos com objetivos de lazer. No entanto, esta é uma ainda hipótese. Não foi possível quantificar o impacto dessa desaceleração econômica sobre a segurança viária e uma explicação científica satisfatória para esse fenômeno ainda é prematura.
O IRTAD planeja realizar novas pesquisas com relação a este assunto para se ter um resultado mais consistente. É possível, também, que as condições do inverno rigoroso, registrado em muitos países europeus, no final de 2010 e início de 2011, possam ter afetado as estatísticas de segurança viária e isso deverá ser investigado também pelo IRTAD.
Os principais resultados, em 2010, apontam quatro grandes grupos: os que atingiram reduções, em mortes po 100 mil habitantes, em relação a 2009, de até 5%; de 5% a 10%; de 10% a 15%; e aqueles que conseguiram reduções superiores a 15%. No primeiro grupo estão classificados: Islândia, Suécia, Reino Unido, Holanda, Suíça, Noruega, Alemanha, Japão, Dinamarca, Israel, Irlanda e Finlândia. No segundo grupo: Espanha, Austrália, França, Canadá, Áustria, Eslovênia, Itália, Hungria, Reopública Tcheca, Nova Zelândia, Portugal, Bélgica, Sérvia e Lituânia; no terceiro grupo de países exitosos, ao menos no ano considerado, estão: Polônia, Estados Unidos, Grécia, Coréia do Sul, Agentina, Cambodja. No grupo 4, está isolada a Malásia, que congeguiu uma redução de quase 24%, em relação a 2009. É realmente espetacular o avanço deste país.
Estes dados precisam ser analisados com certa cautela, pois alguns países que vêm reduzindo suas taxas de mortalidade no trânsito ao longo dos anos, como são os casos de países nórdicos, as taxas, já baixas, precisam de verdadeiras reengenharias para sua redução. No casos de países com elevadas taxas, pequenas ações, porém, bem aplicadas, podem produzir frutos em pouco tempo.
Segundo o Relatório, dirigir alcoolizado, em alta velocidade e não utilizando cintos de segurança, permanecem como questões-chave, recorrentes em todos os países. A experiência tem mostrado que os esforços nessas três frentes trazem grandes benefícios. Adicionalmente, conduzir de maneira distraída, incluindo o uso de telefones celulares, se tornou uma preocupação crescente em muitos desses países.
Na França, Alemanha, Japão, Holanda, Suécia, Reino Unido, Canadá, Israel, Nova Zelândia, Austrália, Espanha, Irlanda, Dinamarca, Eslovenia, Noruega e Finlândia, o uso de cintos de segurança nos bancos dianteiros está acima de 90%. Em contrapartida, os que menos usam os cintos são: Itália (65%), Cambodja (48%) e Argentina (34%).
Com relação à “Década de Ação para a Segurança Rodoviária”, dirigida a aqueles países que não possuem taxas aceitáveis de acidentalidade viária, registra-se algumas propostas de atingimemento de metas interessantes; alguns, com metas desafiadoras.
A Argentina, através da sua Estratégia Nacional de Segurança Viária, pretende reduzir as fatalidades em 50%, no período de 2009 a 2014. O Cambodja, um país até pouco tempo devassado pela guerra, tem como objetivo reduzir pela metada as mortes, até 2020. Para tal, deverá conduzir de maneira severa as metas de aumentar as taxas de uso de capacetes, controle de velocidade e motoristas alcoolizados.
Há um grupo de países que procurará melhorar seus índices de acidentalidade através da implantação ou consolidação da filosofia “Visão Zero”, como são os casos de República Tcheca, Dinamarca, Finlândia e países da União Européia. A Visão Zero, criada na Suécia em 1997, de maneira sucinta, apregoa que ninguém deve perder a vida, nem ficar gravemente ferido em acidentes de trânsito. Portanto, metas bastante desafiadoras.
A partir do exposto anteriormente, são colocadas as seguintes questões: Por que o Brasil não participa do IRTAD? Quais são as suas metas, elaboradas a partir da implantação da “Década de Ação para a Segurança Rodoviária”? Quais são seus planos de ação para reduzir a acidentalidade viária? O que fazer para o controle e redução de acidentes envolvendo motocicletas? E envolvendo pedestres? Ou mesmo com relação ao uso de cintos de segurança, capacetes e motoristas embriagados?
Infelizmente, não há como reponder a estes questionamentos. Sabe-se que, para o atingimento de objetivos de redução das taxas de acidentalidade no trânsito, são necessárias várias etapas: i) estabelecimento de metas e definição da maneira como executar os processos mais importantes; ii) estabelecimento das responsabilidades e responsáveis para a gestão dos processos mais importantes; iii) medição e analise da eficácia e eficiência dos processos mais importantes; e iv) melhoria contínua dos processos estruturados. Enfim, os objetivos só poderão ser atingidos a partir de um bom processo de gestão do trânsito, usando o tradicional PDCA (planejamento, execução, verificação e ação).
O PDCA é aplicado para se atingir resultados em um sistema de gestão e pode ser utilizado em qualquer setor, de maneira a garantir o sucesso nos objetivos, independentemente da sua área de atuação.
Novamente, há que se lamentar que, no Brasil, falar de algo semelhante pode parecer uma heresia, principalmente, no estágio em que estão relegados os órgãos responsáveis pelo trânsito: o CONTRAN e o DENATRAN. Não recebem, historicamente, pelos governos federais, o apoio e os recursos necessários para a condução de suas competências precípuas.
Neste diapasão, não se poderá esperar resultados animadores ao final da “Década”. Provavelmente, se este paradigma não for quebrado, continuar-se-á a conviver com a hecatombe no trânsito brasileiro por muito tempo. É preciso desenvolver, no país, uma cultura de segurança no trânsito, objetivo este que vem sendo construído por muitos países, colhendo resultados fabulosos.

 

*Prof. Dr. Archimedes Azevedo Raia Jr.
Engenheiro, mestre e doutor em transportes pela USP, professor e coordenador do Núcleo de Estudos em Engenharia e Segurança de Tráfego Sustentável da UFSCar e co-autor do livro “Segurança no Trânsito”, Ed. São Francisco. E-mail: raiajr@ufscar.br

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