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Uma outra ferramenta para a abordagem dos acidentes de trânsito: O Pensamento Complexo.

por Paul H. Nobre de Vasconcelos Silva*

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Nossa percepção e subjetividade determinam a forma como enxergamos o mundo e o interpretamos. Dessa forma o real, o verdadeiro, o númeno (a realidade tal como existe em si mesma, de forma independente da perspectiva necessariamente parcial em que se dá todo o conhecimento humano, a coisa em si), embora possa ser meramente pensado, por definição é um objeto incognoscível.

A lógica predominante no mundo ocidental se baseia, principalmente, no aristotelismo e Descartes, o que na maioria das vezes nos conduz ao pensamento linear, causa-efeito, em querer encontrar um responsável, o bom, o correto. Assim, nos tornamos “cegos” a outras possibilidades de “ver” o mundo, e tudo o mais que nos cerca, impedindo uma melhor aproximação com a realidade.

A visão sistêmica e o pensamento complexo podem ser ferramentas importantes para fazermos “furos” na “caverna” em que nos colocamos atualmente (nesse sentido vale o significado dado por Platão) inoculando o “vírus” da crítica e da dúvida nas “verdades” apregoadas pelo establishment. E possibilitando outra forma de compreender e explicar a maneira como ocorrem os fenômenos a nossa volta, se incluindo aí os acidentes de trânsito, o desarranjo urbano, a mobilidade, a poluição ambiental, o desrespeito ao outro, as desigualdades, etc.

Creio que o primeiro e importante passo é uma mudança do nosso modelo mental e, passar a entender os fenômenos como círculos de causalidade. Buscar os inter-relacionamentos ao invés de cadeias lineares de causa-efeito. O que nem sempre é fácil.  Nada é sempre influenciado apenas por uma direção. O efeito retroage sobre a causa que por sua vez (causa e efeito) conformam outro efeito, e assim vão retroagir sobre outra causa, indefinidamente.

O segundo passo, seria o pensamento complexo. A palavra vem do latim “complexus” que etimologicamente significa aquilo que envolve, o que está ao redor, ou tecer em conjunto, entrelaçar. Na complexidade se trabalha ainda com outros operadores. O dialógico, ou seja, não há síntese, os concorrentes e antagônicos são complementares.  A natureza e a vida são pródigas em exemplos nesse sentido.  E, o hologramático – o todo não é a soma das partes. Pode ser maior, igual ou menor. Com isto, se conclui que o futuro é imprevisível. Existe a incerteza. O operador recursivo já foi abordado no final do parágrafo anterior.

Diz-se ainda que um sistema é complexo quando possui algumas características tais como 1:

a) Comportamento de difícil previsão, são sistemas dinâmicos abertos, em constante transformação;

b) Não são lineares, isto é: não há uma lógica proporcional nas relações de causa-efeito. Assim, estímulos fracos podem ser amplificados de maneira desproporcionais. Têm fluxos de realimentação;

c) Possuem atratores estranhos, isto é: centros, pontos ou situações para onde determinadas energias são atraídas. Por exemplo, em sistemas sociais o dinheiro, o poder, podem ser considerados atratores. Os atratores estranhos não permitem definir ou predizer suas trajetórias;

d) Seus níveis hierárquicos encontram-se imbricados através de processos de retroalimentação;

e) Apresentam emergência, no sentido de emergir. Isto é, a criação de uma situação radicalmente nova, imprevista, com propriedades diferentes dos componentes que a configuraram e processo de determinação desconhecido;

f) Seus limites apresentam borrosidade – ou seja, a falta de previsão nos limites entre seus componentes, um “borramento”. O que poderia haver seria fluidez nesses limites ou uma continuidade com o entorno implicando numa maior contextualização.

Parece que os acidentes de trânsito enquanto objeto de pesquisa e intervenção que são estudados na Saúde Coletiva como violência, incorporam vários desses atributos.

Portanto, seria oportuno que a 2ª Conferência Global de Alto Nível sobre Segurança no Trânsito prevista para acontecer nos dias 18 e 19 de novembro em Brasília, pudesse contemplar a possibilidade do emprego e prática dessa outra ferramenta ao invés de perseverar no velho pensamento linear e modelos reducionistas e funcionalistas dele decorrentes.

Fazer uso do pensamento complexo como procedimento metodológico implica em considerar que o acidente de trânsito, como tantas outras formas de violências, é moldado na determinação social gestada nos modos de organização da sociedade e condições de vida dos grupos que a compõem, relacionadas aos processos históricos de produção e reprodução social. Isto é, processos econômicos, políticos, culturais que têm lugar na vida dos indivíduos e dos grupos, que operam como um todo, estando acima das circunstâncias e vontades das pessoas2. Dessa forma haveria que se dar tratamento para a transformação da realidade e não reificar fatores desconectados daquela que atuam como armadilhas.

Talvez um dia possamos apreender que tudo neste planeta Terra está “ecologizado”3 . Quando isto ocorrer, a tríade homem-veículo-via será metamorfoseada em indivíduo-sociedade-espécie. E entenderemos porque as ações restritas a educação, a fiscalização e a engenharia de tráfego são insuficientes para se promover a segurança no trânsito e a prevenção dos acidentes. Tenho esperanças que isto não ocorra tarde demais.

Paul H. Nobre de Vasconcelos Silva*
engenheiro, mestre em transportes, doutor em saúde pública.
Autor do livro: Violência e morte no trânsito, associações ignoradas na prevenção dos acidentes com motociclistas. 
paulnobre@hotmail.com

1 Almeida Filho, Naomar. Sobre as relações entre complexidade e transdisciplinaridade em saúde. Cadernos de textos.
2 Breilh,J. Seminário Interuniversitário. Bases teóricas-praxeológicas da determinação social do processo saúde-enfermidade. 2015.
3 Neologismo criado por Edgar Morin – o pensamento “ecologizante” é desenvolvido da aptidão em contextualizar, situa todo acontecimento, informação ou conhecimento na sua relação de inseparabilidade do ambiente cultural, social, econômico, político e natural. Morin,E. Reformar o pensamento – Cabeça bem feita. Lisboa: Instituto Piaget, 2002.

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