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“Se você não tiver o carro é uma benção”, diz Roberto Ghidini

O engenheiro fala da insustentabilidade do uso do carro e as políticas a serem adotadas no Brasil para melhoria da mobilidade

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Um dos fundadores da ONG internacional Sociedad Peatonal, o engenheiro civil Roberto Ghidini Jr. concedeu entrevista à Perkons. Ele reside em Madri, mas morou em Curitiba e conhece a realidade do transporte brasileiro. Ele fala sobre as alternativas para o transporte coletivo, cidades com boas práticas para a garantia da mobilidade, aspectos para favorecer a caminhabilidade e o desenho da cidade para encurtar as distâncias.

“Quando há diferentes classes sociais morando no mesmo bairro, uma pessoa pode trabalhar para o vizinho. Você faz com que as pessoas vivam e trabalhem no mesmo espaço.”, Ghidini.

Perkons: Poderia falar do uso do metrô como uma solução integrada para o transporte e para a cidade?

Ghidini: O metrô é propício quando ele funciona de forma segregada, em outro nível, no underground, sem interferências. É um transporte que pode promover a mobilidade de forma mais rápida e eficiente do que o veículo privado.

O objetivo de financiar o transporte de massa é o desenvolvimento urbano. Você faz com que zonas desprovidas de transporte público e de baixa densidade possam receber investimento imobiliário de forma diversificada. Você pode ter o comércio, os escritórios e residência (moradias populares e de alto padrão). Assim, o morador da casa popular pode estar mais próximo da casa da pessoa rica, pode trabalhar para ela e ir a pé para o trabalho.

Então, no entorno dessas estações do metrô você desenvolve, potencializa um adensamento enorme e o uso múltiplo de funções e você gera um pequeno policentro, uma pequena cidadezinha e as estações passam a ser conexões.  A forma de captar isso é através da tributação com alíquotas diferenciadas de imposto da propriedade urbana.

Perkons: No caso de Curitiba, o metrô é uma boa solução para os problemas de mobilidade?

Ghidini: Em Curitiba, querem substituir um modal que funciona há anos e pode ter problemas de demanda em horários de pico por outro modal com o mesmo alcance do BRT. Não vejo solução nisso. Durante o período de obras, essa linha sul vai ser um tremendo de um engodo. Vamos passar o período que vai durar esta obra com sérios problemas de mobilidade e particularmente no eixo da via, porque parte da escavação vai ser a céu aberto. Vai ser complicadíssimo, pois os ônibus expressos não vão poder circular nestas ruas.

Melhorias poderiam ser feitas com estudos de engenharia de tráfego, obras, algumas transposições de interseção. Claro que isso custa também, mas seriam valores extremamente inferiores. Os desalinhamentos de forma correta nas paradas dos ônibus e todas essas coisas promoveriam um fluxo melhor no sistema e, por conseguinte uma melhoria na capacidade.

Não só Curitiba tem problemas de mobilidade, a maioria das grandes cidades também tem. Outra alternativa que a Sociedad Peatonal vem batendo na tecla  há anos seria integrar os demais ônibus no sistema. A integração em Curitiba, por exemplo, é feita de forma física. Para trocar de ônibus você precisa estar em um terminal ou em um tubo. Se a integração fosse temporal, feita com o cartão de transportes, no momento em que você começasse a sua jornada de deslocamento, inserindo o cartão no sistema, ele te daria um intervalo de tempo para circular.

Isso já ocorre em outras cidades para facilitar os transbordos que você queira fazer. Então, você salta do ônibus, anda até outro ponto, ou fica no mesmo ponto para pegar o segundo ônibus. Mesmo que você use o cartão novamente, você não vai pagar se estiver no intervalo de tempo de seu deslocamento.

Toda essa rede de ônibus convencionais (os amarelinhos) que não são integrados – hoje muitas pessoas fazem deslocamentos negativos no sistema para chegar ao destino – faz com que o sistema tronco alimentador seja sobrecarregado e a parte do sistema convencional fica ocioso.  É uma forma de equilibrar as coisas também e redistribuir essa mobilidade em outros veículos.

Não vejo porque substituir a linha norte e sul por um metrô.  Eu vejo que há necessidade de um metrô, mas é preciso estudar a forma de como fazer e discutir com a sociedade.

Perkons: Há uma preocupação com a mobilidade e que as pessoas sejam pedestres. Como estimular as pessoas a serem pedestres?

Ghidini: As cidades, como é o caso da grande maioria dos municípios brasileiros, são pouco habitáveis. Curitiba tem uma média de 45 habitantes por hectare. Essa taxa chega a 150 habitantes em Barcelona. Londres tem por volta de 100 habitantes por hectare mesmo tendo os bairros mal ocupados. Mas o centro é denso. A cidade densa tem as distâncias encurtadas porque as pessoas moram perto. Quando há diferentes classes sociais morando no mesmo bairro, uma pessoa pode trabalhar para o vizinho. Você faz com que as pessoas vivam e trabalhem no mesmo espaço. Existem pontos chaves para a questão da mobilidade: habitabilidade, acessibilidade, a autonomia e a equidade. Estes quatro pontos devem ser observados numa zona para ser caminhável. Claro que tem as questões técnicas da calçada, da qualidade da praça. Tenho um artigo que fala disto, das zonas caminháveis.

Em Curitiba e em muitas outras capitais há calçadas nas zonas centrais, mas na periferia as pessoas têm que conviver com o automóvel. Foram soluções encontradas quando a cidade foi expandida, se tornou difusa, questão de especulação imobiliária. Onde há calçada, elas são de baixa qualidade, do ponto de vista técnico não há condições para caminhar com todos os padrões horríveis de calçada, mobiliário urbano em local errado e por causa também de legislação: o proprietário tem que fazer e manter sua calçada. Imagine se fosse assim com a rede elétrica? Como seria a transmissão de energia? A “transmissão de pessoas” passa pela mesma lógica.

Perkons: Em que aspectos você vê que Madri evoluiu dentro da liderança de trânsito e transportes e que poderiam ser trazidos como exemplo para o Brasil?

Ghidini: O grande logro que existe no sistema de transporte de Madri é o Consórcio Metropolitano de Transportes. Consórcio é um ente onde o estado, a comunidade e o município participam. O metrô em Madri tem grande parte pública. A Empresa Municipal de Transportes é pública. Aqui os nossos ônibus são privados. O consórcio tem atores privados e públicos. O estado participa com suas linhas ferroviárias estatais no subúrbio. Existem 10 linhas que cobrem de 60 a 80 km, circulam dentro da zona urbana de Madri e seguem para as cidades ao redor de Madri. Cada município tem sua rede de ônibus e os intermunicipais que são privados. O consórcio me parece que é o grande mote para gestão do transporte público.

Perkons: Há uma tendência de trazer modelos de fora para aplicar no Brasil, o que deve ser avaliado e considerado aos trazer modelos para cá?

Ghidini: Podem ocorrer atropelos ao se importar modelos. Uma coisa que funciona bem em um lugar pode não funcionar em outro. É a mesma coisa de exportar modelos. Existem coisas que são universais, mas outras que são particularidades de cada realidade. Além da prévia discussão de todas essas temáticas, ao importar você deve fazer uma simulação prévia real para medir o resultado. Antes mesmo de por em funcionamento de fato. Por exemplo: Nova York chegou a pensar em usar um sistema de transporte de tubos. Eles fizeram uma pequena linha de seis paradas como balão de ensaio. Essa linha está funcionando, mas não se tornou atrativa e não houve ampliação desse sistema.

Perkons: Na Europa diz-se que as pessoas utilizam mais outros modos que o carro. É uma questão cultural ou são medidas mais rigorosas?

Ghidini: Tudo começou na Europa, o metrô de Londres completou ano passado 150 anos de funcionamento. Estamos querendo implantar e lá já existe. O de Budapeste tem mais de 100 anos. Berlim, Barcelona e Madri também já têm metrôs antigos. A cultura de usar o transporte público é um fator histórico indiscutível. E as cidades têm um crescimento compacto e há dificuldade de se deslocar com o carro. Se você não tiver o carro é uma benção. Eu, por exemplo, tenho um automóvel para me deslocar para fora de Madri. Na cidade eu jamais uso o carro, vou a pé, metrô ou ônibus por uma série de dificuldades intrínsecas de andar de carro.

Em Copenhague, na Dinamarca, há a menor concentração de veículos por pessoa: 300 para cada mil pessoas. Em Curitiba, temos o dobro. Na Dinamarca, há uma malha de transporte muito boa. Inclusive, por ser uma ilha, há transporte fluvial. Há também a tradição da bicicleta como meio de transporte. Lá a propriedade do veiculo é cara, não só o fato da compra, os impostos de circulação são caríssimos. Se você soma isso às dificuldades de logística, há a dificuldade de manter o veículo, pois há a penalização econômica.

Outro exemplo é a cidade alemã Hamburgo que proibirá em 2034 o uso do automóvel. Há 20 anos para se prepararem com estrutura para que o carro não faça falta.

Perkons: Quando falamos em transporte público e medidas para a melhoria da mobilidade podemos separar a questão técnica da política?

Ghidini: É muito difícil separar técnico do político. Elas são quase indissociáveis. Você tecnicamente pode comprovar uma série de premissas, mas se não houver uma decisão política você não consegue efeito. No transporte público não pode dissociar o estudo técnico da questão política, mas essa política não pode ser eleitoreira.

Na última licitação da URBS (empresa responsável pelo transporte em Curitiba), nós da Sociedade Peatonal junto com outras entidades pedimos a impugnação do edital por alguns tópicos observados na proposta de licitação. A URBS não nos atendeu. Basicamente os mesmos motivos que alegamos ser ilegais, agora, a CPI da câmara dos vereadores de Curitiba, em suas conclusões, aponto u também como ilegal. Tecnicamente e politicamente nós estávamos muito avançados, mas tem que passar por um processo político eleitoreiro. A câmara, que tem os representantes dos partidos precisam se manifestar.

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