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Quando é hora de parar

Saiba identificar os sinais que o corpo emite e obrigam motoristas a abandonarem as chaves

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Se de um lado podem ser considerados um risco para o trânsito, de outro são, comprovadamente, quem menos infringe as leis ao dirigir e quem menos se envolve em acidentes. A constatação vem de pesquisa realizada pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), cujo resultado mostrou que 97% dos idosos que participaram do estudo não se envolveram em acidentes nos últimos cinco anos, nem foram multados no último ano.

Os idosos, que somam mais de 23 milhões no Brasil de acordo com estimativa populacional do IBGE, ainda são conhecidos como motoristas mais cautelosos que a maioria, embora o peso dos anos traga consigo a diminuição de sentidos como visão e audição.


Código de Trânsito Brasileiro não apresenta
impedimento para idosos dirigirem.
Crédito: Fabiano Mazzotti/Agência RBS

Atrás do volante, no entanto, não há proibição no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que os impeça de dirigir pelo tempo que decidirem. A única restrição está no artigo 147 do CTB, que estabelece períodos menores (a cada três anos) para a renovação da habilitação de condutores com mais de 65 anos de idade, por meio de exame de aptidão física e mental.

Quando se discute a participação dos idosos no trânsito, trata-se da fragilidade deles (típica dessa faixa etária) em virtude de envolvimento em acidentes e também da ameaça que oferecem a outros motoristas e pedestres. No segundo caso, o conflito abrange questões que vão além da crítica pura e simples, mas de argumentos clínicos. Para explicar mais sobre o comportamento do motorista com o passar dos anos, a Perkons foi ouvir os especialistas Angélica Castilho Alonso* (fisioterapeuta e pesquisadora) e Henrique Naoki Shimabukuro** (médico especialista em medicina do tráfego), que têm seus trabalhos reconhecidos na área de trânsito. Acompanhe a entrevista:

Perkons – O idoso biologicamente tem sua atenção no trânsito alterada?
Angélica Castilho Alonso – Após os 30 anos, começa o declínio das variáveis fisiológicas, como diminuição da velocidade de condução nervosa, alterações cardiovasculares e pulmonares, diminuição da capacidade aeróbica, perda de força muscular de 6% dos 35 aos 50 anos e, a partir daí, de 10% por década, e redução da massa muscular e óssea, além de alterações degenerativas das cartilagens que levam à diminuição da função locomotora e da flexibilidade, além das alterações da função sensorial. Aproximadamente 50% dos idosos apresentam deficiência auditiva ou visual que comprometem sua capacidade para as atividades de vida diária, e isto inclui dirigir, e aumentam o risco de declínio funcional. No entanto o idoso usa isso em sua experiência em dirigir, o que o torna cuidadoso, principalmente diminuindo a velocidade e sem ousadias; ele realiza a tarefa de dirigir mais focado, e daí que excesso de barulho, buzinas e muitas vezes ofensas no trânsito podem atrapalhar esta atenção que ele usa para poder andar sem causar acidentes.

Henrique Naoki Shimabukuro – Sim, do ponto de vista biológico, ocorrem muitas perdas com o envelhecimento. O processo natural de envelhecimento vai se tornando algo impiedoso para o ser humano, pois os tecidos nervosos e neuronais praticamente não possuem capacidade de regeneração ou reprodução. Assim, se levarmos em conta as funções cognitivas, tais como aprendizado, linguagem, memória, reconhecimento, juízo crítico, atenção, todos dependem da manutenção e estocagem estáveis de material bioquímico. Com o envelhecimento neuronal, certamente ocorrerá o comprometimento da integração de todas essas funções. Isso resultará em um prejuízo cognitivo, trazendo limitações de ordem física e mental a todos, sem exceção, contribuindo para o aumento das estatísticas dos acidentes de trânsito. Do ponto de vista patológico, somando-se a essas perdas, não raras vezes podemos ter a falta de concentração, atenção, juízo crítico ou mesmo a falta de avaliação causados por doenças como o Mal de Alzheimer, em que o idoso perde a percepção de suas habilidades essenciais e de julgamento para a direção veicular segura.

Perkons – Os principais sentidos de visão e audição sofrem mais com a redução natural dos reflexos?

Angélica Castilho Alonso – Ao contrário, a diminuição da visão e audição é que levam à diminuição dos reflexos.

Henrique Naoki Shimabukuro – Além das interações da cognição e resposta motora, temos a diminuição da acuidade visual que terá consequências importantes na direção veicular. Essa diminuição da acuidade visual pode ser acrescida da diminuição do campo visual ocorrendo maior dificuldade de dirigir à noite pela resistência ao ofuscamento e redução da velocidade de adaptação ao escuro pelo aumento da densidade dos meios de transparência óptica e dos fotorreceptores retinianos. O envelhecimento pode acrescentar modificações oculares que comprometem a visão e a direção veicular, como catarata, glaucoma, degeneração macular, retinopatia diabética e doenças da córnea. Essas doenças são de instalação lenta e muitas vezes não são percebidas pelo idoso e sim por seus familiares, principalmente naqueles com comprometimento cognitivo. Por outro lado, do ponto de vista da audição, o envelhecimento pode levar a um aumento na produção de cera e consequente acúmulo de cerume; rigidez dos ossículos levando ao comprometimento da condução do som e deficiência da transmissão coclear com alteração da percepção do som. Essas alterações são causas de lenta diminuição da capacidade auditiva e podem ser agravadas por fatores associados como trauma acústico, uso de drogas ototóxicas [medicamentos que alteram funcionamento da audição], alterações metabólicas, viroses, que caracterizam a presbiacusia [perda de audição relacionada à idade].


Perkons – Em sua opinião, o Código de Trânsito Brasileiro deveria restringir a idade máxima para dirigir?

Angélica Castilho Alonso – Não. As diferentes condições de saúde dos idosos não nos permite fazer isto. Acredito que precisamos desenvolver (e é nisto que estamos trabalhando, inclusive com uma parceria com a Universidade de Michigan), ferramentas como uma boa avaliação para poder auxiliar o médico a tomadas de decisões em relação a restrição de direção no idoso.

Henrique Naoki Shimabukuro – A solidão e o isolamento comprometem os idosos com o envelhecimento, assim, a inaptidão e a maior dificuldade de dirigir representam mais uma na sucessão de perdas que a idade lhes impõe, mas talvez seja a mais dolorosa, pois a perda de mobilidade revelará a limitação de sua liberdade de locomoção e independência. Portanto, na minha opinião, o Código de Trânsito Brasileiro está correto em não fazer restrições à idade máxima para dirigir, diminuindo a validade da habilitação, deixando que a avaliação médica seja o critério de restrições, caso estas sejam necessárias, mantendo o livre arbítrio do candidato idoso em decidir quando deva deixar de dirigir, desde que tenha plena condição de decisão.

Perkons – E os pedestres idosos, quais os principais acidentes de que são vítimas no trânsito e que cuidados devem ter?

Angélica Castilho Alonso – Em geral, são vítimas de atropelamento seja por motos ou carros. O mundo está envelhecendo; em 2002, quase 400 milhões de pessoas com 60 anos ou mais viviam no mundo em desenvolvimento. Até 2025, este número terá aumentado para aproximadamente 840 milhões, o que representa 70% das pessoas na terceira idade em todo o mundo, tornando isso um dos maiores triunfos da humanidade e também um dos grandes desafios. As cidades deverão se adaptar em relação à sinalização (que pode incluir nos veículos entre muitas modificações, “idoso” assim como é feito nas autoescolas “aprendendo a dirigir”), espaços, carros e principalmente a educação no trânsito.


Henrique Naoki Shimabukuro – No Brasil, há um conflito permanente em nossas vias de rolamento, ou seja, a relação pedestre – motorista é uma eterna disputa. Muitas vezes não temos a “lentidão” em nossa avaliação de ação, reação e tomada de decisão enquanto pedestres. Isso faz com que o idoso seja mais uma vítima nessa disputa, pois o motorista nem sempre respeita o pedestre que passa lentamente à sua frente; ou então ocorrem ainda os casos em que os pedestres imaginam que o carro irá brecar, mas este não consegue parar instantaneamente, resultando no atropelamento. Assim, os pedestres idosos, providos de sua liberdade e independência, sem terem quaisquer manifestações adversas de suas condições de cognição, precisam ter consciência de que o envelhecimento pode ter seus efeitos em sua mobilidade e dessa forma é imperioso o máximo de atenção em seus deslocamentos.

Angélica Castilho* é fisioterapeuta e profissional da Educação Física, pós doutorando pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Pesquisadora do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas, responsável por estudo comparativo entre adultos e idosos sobre tempo de reação na direção de veículos.

Henrique Naoki Shimabukuro** é médico especialista em Medicina de Tráfego, diretor de Medicina de Tráfego e Meio Ambiente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (ABRAMET); coordenador científico do Departamento de Medicina de Tráfego da Associação Paulista de Medicina (APM); membro da Comissão de Estudos de Acidentes Terrestres com Produtos Perigosos da Secretaria Estadual de Logística e Transportes de São Paulo.

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