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Propostas de ‘tolerância zero’ de álcool e aumento de multa de trânsito podem gerar injustiças

por Milton Corrêa da Costa*

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Ninguém tem dúvida que boa parte dos mais graves acidentes, em rodovias e vias urbanas, no contexto da guerra e da barbárie do trânsito brasileiro, envolvem motoristas alcoolizados e/ou drogados. É ponto pacífico também que boa parte de nossos motoristas são imprudentes, agressivos, estressados e deseducados, cuja fiscalização e repressão permanentes em vias públicas são por demais necessárias. Falta disciplina consciente e respeito ao próximo na condução de um veículo. Há, sem dúvida, uma verdadeira luta de poder por espaços cada vez mais inexistentes e saturados por parte de muitos motoristas, vivem se digladiando, descumprindo normas de trânsito e se consideram autênticos `donos de rua`, alguns dirigindo perigosamente sob o efeito do álcool e/ou de substâncias entorpecentes.
Assim é que as recentes propostas de alteração do CTB, a serem votadas na Câmara Federal na próxima quarta-feira, 11 de abril, de ‘tolerância zero’ de álcool ao volante e do aumento do dobro do valor de multa por infração de natureza gravíssima de dirigir alcoolizado (passaria a R$ 1915,54), precisam ser objeto de muita reflexão. Há que se entender primeiramente que uma determinação proibitiva de total de ingestão de álcool para motoristas, pode ser causa de injustiças para quem está dirigindo e não consumiu bebida alcoólica. É fato real que o álcool está também presente em antissépticos bucais, em alguns medicamentos indicados por receita ou não ou mesmo num bombom recheado com licor.
Estariam então todos os motoristas proibidos, momentos antes de assumirem a direção de um veículo, de fazer sua higiene bucal com antissépticos que contenham álcool? De ingerir medicamentos receitados ou não por médicos que contenham a presença de álcool? E a sobremesa do delicioso bombom recheado com licor? Seria proibida para os motoristas que logo em seguida assumissem o volante de seus carros? Até onde estaríamos, através de uma lei de trânsito, interferindo na vida privada, no tratamento da saúde, na higiene bucal e no prazer por alguma guloseima?
Há que se refletir sobre isso para que não se cometa injustiças irreparáveis. Uma lei de trânsito deve ter limites de rigidez e não pode ser arbitrária. Suspender o direito de dirigir pelo prazo de um ano de um motorista, submetê-lo a curso obrigatório de reciclagem e fazê-lo desembolsar uma alta soma no pagamento de uma multa, pelo simples fato de que fez uso de um antisséptico bucal, por ter consumido um bombom ou pela ingestão de um medicamento necessário à manutenção de sua saúde, parece-me extremamente injusto. E se o condutor, punido por tais motivos, for um motorista de táxi ou de um coletivo? Ficaria proibido por um ano do exercício de sua profissão? Não estaríamos causando, injustamente, para si e para seus familiares, que dele dependem para sobreviver, um enorme prejuízo tratando-se de um profissional do volante? Conclui-se, portanto, a meu ver, pela inviabilidade da proposta de‘tolerância zero’ e pela necessária manutenção do limite de tolerância de 2 decigramas se álcool por litro de sangue, conforme previsto atualmente pelo Decreto Federal 6488/08, como medida de puro bom senso.
Salta aos olhos também a notícia da proposta do aumento do valor das multas. Se levarmos em consideração que boa parte das infrações de trânsito são lavradas por agentes da autoridade, servidores que representam o poder de polícia do Estado, seres humanos dotados de um poder discricionário incomensurável, sujeito a falhas próprias da natureza humana, as implicações no ato da aplicação da medida corretiva-punitiva seriam notórias, ainda que saibamos que é sentindo no bolso que se faz pensar duas vezes sobre o cometimento ou não de uma infração de trânsito.
Ainda assim qualquer motorista poderá ser vítima de ter que pagar pela simples fé pública do agente, sempre sujeita obviamente ao erro humano involuntário ou mesmo a ato intencional arbitrário. Mais lúcido e consciente está sendo proposta a alteração do Artigo 306 do CTB, possibilitando que o crime de direção alcoolizada ali previsto, independente de concentração de álcool encontrada na corrente sanguínea do motorista, possa também ser caracterizado pela prova testemunhal, exame clínico, pericial, imagens e vídeos. Os meios de comprovação do uso de substâncias entorpecentes ao volante também deverão ser regulamentados, o que significa dizer que o teste da saliva está a caminho.
Ninguém é contra a fiscalização permanente de trânsito e ao endurecimento da lei, que objetivem punir para reeducar e tornar o trânsito uma atividade mais humana e menos violenta. Que as novas medidas ora propostas não se tornem, no entanto, fontes geradoras de injustiça e corrupção, nem de mera arrecadação de uma indesejável indústria de multas. Melhor do que altos valores de multa é ter a certeza da punição. Que se busque, pois, através do bom senso, a mudança comportamental de motoristas, motociclistas, ciclistas e pedestres e a melhor qualificação profissional dos agentes da autoridade. Com a palavra o Congresso Nacional e as autoridades de trânsito. Tudo na vida tem limites. O limite da lei de trânsito, sem dúvida, é o bom senso.

 

*Milton Corrêa da Costa
Coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro

 

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