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Falta liderança no trânsito

por Archimedes Azevedo Raia Jr.*

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Em 2009, a Comissão Mundial para Segurança Viária divulgou um chamamento para a “Década de Ação pela Segurança no Trânsito”, convocando o devido e planejado empenho em todas as sociedades, com a meta de chamar a atenção para a crescente crise da segurança viária e produzir resultados satisfatórios.
Este chamamento teve como maior repercussão, a Declaração de Moscou, resultado da Primeira Conferência Ministerial Mundial sobre Segurança Viária, patrocinada pelo Governo da Federação Russa, em fins de 2009. A “Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2011-2020” foi lançada de maneira oficial, no mundo todo, por parte das Nações Unidas, em maio de 2011.
É sabido por todos que os acidentes de trânsito provocam cerca de 1,3 milhões de mortes todos os anos no mundo todo. Na América Latina e Caribe (ALC), a taxa anual de acidentes de trânsito corresponde a 17 por 100 mil habitantes, o que corresponde a quase o dobro da média global. A taxa de óbitos no Brasil, por grupo de 100 mil habitantes, em 2010, foi de 21,5.
Esse quadro dramático tem sido reconhecido como um desafio pela Organização das Nações Unidas e seus Estados Membros, por vários anos. No entanto, somente na última década, a situação mereceu a devida importância entre os interesses mundiais mais urgentes quanto à saúde e ao desenvolvimento.
Para reverter esse quadro, principalmente na ALC, é necessário um grande esforço por parte dos mais diversos e significativos organismos mundiais, com a finalidade de estimular a ação e aumentar a segurança rodoviária nesta região.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estabeleceu um compromisso com os princípios da “Década de Ação para a Segurança Viária“, com o objetivo de evitar que cinco milhões de pessoas percam a vida e que outras 50 milhões sofram graves ferimentos, no período de 2011-2020.
Dessa forma, o BID e a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) se uniram para promover uma série de debates sobre o tema na América Latina e Caribe. No Brasil, foi realizado um Seminário em São Paulo, reunindo representantes do setor público e privado e sociedade civil para debater sobre o tema.
Tive a honra e o privilégio de participar deste importante evento, que contou com a presença de autoridades e líderes de diversos setores. Como o evento ocorreu na cidade de São Paulo, lá estava o prefeito Gilberto Kassab, bem como o governador de São Paulo, Geraldo Alckimin, para recepcionar a todos e discursaram demonstrando grande afinidade com o tema.
O evento contou, ainda, com a presença da Embaixadora Mundial das Ações de Prevenção e Segurança no Trânsito, Michelle Yeoh, do Presidente da FIA, Jean Todt, dos pilotos brasileiros Emerson Fittipaldi e Felipe Massa, além do Presidente do BID, Luis Alberto Moreno. Estavam também presentes, o governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo, o vice-governador de Minas Gerais, Alberto Pinto Coelho, autoridades de outros estados e municípios, além de técnicos, gestores e pesquisadores de trânsito. O evento foi conduzido pela expertise de J. Pedro Corrêa.
No entanto, o que me provocou tamanha estupefação foi que o anfitrião principal e o maior responsável pelo trânsito brasileiro, bem como pelos seus pífios resultados em termos de segurança viária, mandou como representante uma funcionária de terceiro escalão. Quer se deixar claro aqui, que a técnica que representou o Governo goza da mais alta consideração, pela sua experiência e competência. Lá não estavam a presidente (talvez por motivos de força maior), o ministro das Cidades, o diretor do Departamento Nacional de Trânsito e do Conselho Nacional de Trânsito. Ora, no Brasil, o Conselho Nacional de Trânsito é o coordenador do Sistema Nacional de Trânsito, é subordinado ao Ministério das Cidades, subordinado à Presidência da República.
No entanto, quando se fala de liderança em uma organização qualquer, condição “sine qua non” para que o sucesso de um objetivo seja por ela alcançado, é necessário que a Alta Direção desta mesma organização exerça efetivamente a liderança, interagindo com as partes interessadas, apresentando comprometimento com os valores e os princípios organizacionais estabelecidos e almejando a mobilização de todas as pessoas para o êxito das estratégias.
Num evento desta natureza e importância, onde o Brasil é um dos países com piores índices de segurança no trânsito, as suas lideranças mais expressivas não participam, o que é que pode se esperar em relação ao atingimento de possíveis metas da Década de Ação pela Segurança no Trânsito, no Brasil?
Este quadro explicita um fato que é desalentador. No país morrem anualmente mais de 40 mil pessoas. De 1996 a 2010 já perderam a vida no trânsito brasileiro mais de 518 mil pessoas. Os acidentes de trânsito representam a 3ª causa de mortes na faixa de 30-44 anos; a 2ª na faixa de 5-14 e a 1ª na faixa de 15-29 anos de idade. Ainda assim, o órgão máximo de trânsito é apenas um departamento em um Ministério que tem como maior preocupação, muito válida por sinal, a qualidade de vida de nossas cidades.
Portanto, o trânsito nunca foi prioridade quando da elaboração de políticas públicas neste país. O quadro estarrecedor dos acidentes de trânsito mereceria um status e importância de Ministério; ao menos pelo período enquanto os acidentes tivessem tamanho significado social, médico, econômico, etc. Se um dia viermos a conviver com os índices encontrados em países do nível econômico do Brasil, talvez seja pertinente voltar a ser um Departamento em um ministério, penso eu, dos Transportes, entendido, este, como aquele que aglutina todos os modos e setores relacionados ao transporte. Não da forma como hoje ele é concebido, sem a importância que lhe seria devida, pela pulverização de suas atividades em diversas outras secretarias, espalhadas pela estrutura de governo, mais adequada ao atendimento de cargos para os aliados políticos.
Da forma como anda a carruagem, é difícil esperar que um trânsito efetivamente mais seguro e com baixas taxas de acidentes possa cair milagrosamente do céu. As pessoas responsáveis precisam minimamente cumprir aquilo que lhes compete.

 

*Prof. Dr. Archimedes Azevedo Raia Jr.
Engenheiro, mestre e doutor em engenharia de transportes pela USP, professor e coordenador do Núcleo de Estudos em Engenharia e Segurança de Tráfego Sustentável da UFSCar e coautor do livro “Segurança no Trânsito”, Ed. São Francisco. Diretor de Engenharia da Assenag-Associação de Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos de Bauru. E-mail: raiajr@ufscar.br.

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