Modalidade pode ser estratégia para reforçar valores prezados por empresas
Entre uma entrega e outra, eles são agraciados pelo vento no rosto e contemplam a cidade por uma outra perspectiva. Silenciosos, transitam pelas vias com acesso facilitado a caminhos alternativos e escapam dos temidos congestionamentos. Por outro lado, estão mais vulneráveis a acidentes de trânsito e suscetíveis a enfrentar “com a cara e o pedal” mudanças climáticas de toda ordem. Uniformizados e munidos de equipamentos de proteção individual (EPIs), como luvas, capacete e capa de chuva, os bike boys continuam a pedalar em meio à neblina, ao frio ou mesmo debaixo de chuva, e são os protagonistas da sequência da série “De carona”, produzida pela Perkons para dar destaque aos profissionais que têm no trânsito o seu ambiente de trabalho.
Com uma média de 32 quilômetros pedalados entre às 18h e meia-noite – turno em que trabalha -, Lourival Melo acaba de completar um mês na equipe da EcoBike Courier, empresa curitibana especializada em coletas e entregas sustentáveis. Com ele, são 30 profissionais apenas na capital paranaense e outros 100 distribuídos em dez cidades, dentre elas polos como Recife, São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. O pouco tempo de empresa, contudo, já foi suficiente para trazer satisfação ao biker, que atua com o delivery de restaurantes. “Já pedalo há um tempo e me interessei pelo emprego assim que vi a vaga. O trabalho superou as expectativas. A sensação de liberdade e de não estar confinado em um escritório é importante para mim”, salienta.
Inspirada nos bikers messengers de Nova York, a empresa foi idealizada em 2011 e passou por adaptações que priorizam a segurança e a estabilidade dos profissionais. “O mercado de entregas express é muito irregular e permeado de riscos para o empregado, então nos organizamos para que eles trabalhassem uniformizados e tivessem registro em carteira e acesso a outros benefícios”, esclarece o franqueado de Curitiba, Victor Ferraz. O processo de recrutamento, por sua vez, é rigoroso e começa com uma entrevista presencial, para avaliar as nuances no relacionamento interpessoal, sendo concluído no treinamento teórico e prático, com base nas decisões do biker no trânsito. “A postura adotada por ele no trânsito tem reflexo direto na interação com os demais usuários. Por isso salientamos algumas práticas de segurança, como nunca pedalar em calçadas e na contramão, e se atentar, ainda mais, para cruzamentos, travessias elevadas e faixas de pedestre”, explica.
Com as quatro possibilidades de serviço ofertadas (fixo, delivery, esporádico e campanha), a empresa também agrega benefícios para o meio ambiente. “Já evitamos a emissão de 17 toneladas de gás carbônico (CO²) ao longo desses anos”, garante Ferraz.
Além de contribuir para redução de impactos ambientais, empresários que optam por incorporar o serviço à rotina da organização visualizam, nas entregas, um caminho para reforçar a identidade da empresa. “O biker não se preocupa apenas em coletar ou entregar, mas também em oferecer um tratamento cordial às pessoas, o que coincide com aquilo que queremos transmitir. Além disso, nossa demanda basicamente é de coletas porta a porta, já que todos os pontos são muito próximos. Um motoboy estaria mais exposto a acidentes e seria inviável em termos financeiros para nós”, compara Marcelo Gentil, sócio fundador da organização Nota da Gente – que viabiliza o direcionamento dos recursos disponíveis no programa Nota Paraná para instituições sem fins lucrativos – e utiliza os serviços da EcoBike desde junho.
Para José Lobo, presidente da ONG Transporte Ativo – que conduz uma série de ações voltadas a disseminar a importância das bicicletas para mobilidade urbana -, os bikers são essenciais por multiplicar a relevância da bicicleta na logística das cidades. Embora sejam escassos indicadores precisos do segmento, ele estima que já são mais de 60 empresas de mensageiros de bicicleta no país. “Apesar de muito subestimada e pouco aproveitada, este número dá uma mostra do volume de entregas realizadas com bikes no país”, reflete.
Para revelar quem são os usuários de bicicleta no país – outra informação pouco precisa atualmente – a organização conduziu a primeira pesquisa brasileira sobre o perfil dos ciclistas urbanos, baseada em dados coletados em 2015. Em sua maioria (37,3%), os entrevistados incorporam a bicicleta à rotina há mais de cinco anos e 88% deles a utilizam para trabalhar ou para ir ao trabalho. Lidera a lista de entraves indicados para o transporte, com 34,6%, a falta de respeito dos condutores de veículos motorizados.
Levantar dados até então inéditos como esses é, para Lobo, a principal estratégia da organização para evidenciar o potencial das bicicletas para o desenvolvimento das cidades. Algumas dessas vantagens também são perceptíveis quando olhamos mais atentamente as empresas que adotam e que oferecem serviços como os dos bike boys. “Os benefícios para elas são muitos, incluindo economia de espaço físico, frota e de energias não renováveis, além de favorecer a boa saúde do profissional prestador do serviço, que resulta em menor absenteísmo e acaba beneficiando toda a cadeia”, enumera. Ao ciclista, é essencial ter em mente a importância de manter as boas condições da bike e de utilizar equipamentos de proteção. “O ideal é evitar ficar muito próximo de veículos pesados, como ônibus e caminhões, que dificultam a visibilidade, respeitar a legislação e os outros usuários da via”, orienta. Mas nem tudo se resume ao comportamento adotado pelo biker. Para ele, as cidades também precisam unir esforços para tornar as vias mais receptivas a este transporte emergente. “O mais importante é pensar as ruas como um espaço para todos os modais. Nesse sentido, a redução de velocidade nas vias passa a ser um item de extrema importância, por exemplo”, visualiza.
Divulgação EcoBike Courier |
Em Curitiba, 30 bikers compõe o time da EcoBike Courier, uma das empresas pioneiras no segmento de coleta e entrega sustentáveis |
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