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Corrupção no DPVAT colocam dados de acidentes em dúvida

por Archimedes Azevedo Raia Jr.*

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Nos últimos tempos tem sido comum por parte dos especialistas em trânsito fazerem certo confronto entre dados de acidentes de trânsito divulgados pelo Governo Federal, supostamente subdimensionados, e aqueles publicados pelo DPVAT, sempre expressivamente maiores.
O DPVAT corresponde ao seguro que é obrigatório a todo proprietário de veículo automotor, pago anualmente no momento em que o se faz o licenciamento do veículo.

Este tipo de seguro que, pelo alto custo e que, em princípio, poucos veem a sua utilidade, foi criado com o intuito de se ter um caráter social. A lei da sua criação apregoa que todas as pessoas, que por infortúnio vierem a se transformar em vítimas de acidentes de trânsito, têm direito de perceber certa quantia indenizatória. E isto deve ocorrer de forma independente à culpabilidade em relação ao acidente.

Este caráter social já era questionado pela Folha/UOL, em 29 de janeiro de 1996, no artigo “Abrindo a caixa preta”, quando dizia: “… na prática, não é isto que acontece. O DPVAT, mesmo com o número altíssimo de acidentes nas ruas brasileiras, é um dos seguros com menor número de sinistralidade do mercado segurador nacional”. A matéria continua afirmando que “A mágica tem uma explicação muito simples: a maioria da população brasileira não sabe sequer que o seguro existe, quanto mais que todas as vítimas de acidentes de trânsito podem receber a sua indenização! Tal desconhecimento também tem uma causa simples: o convênio DPVAT, que é quem administra esse seguro, e que é formado por um “pool” de seguradoras que atuam na carteira, nunca fez força para divulga-lo. Ou será que alguém se lembra de uma campanha sobre o DPVAT, e sobre suas indenizações, em horário nobre de canal de televisão?”

A matéria da Folha/UOL ia ainda mais fundo em suas críticas, ao afirmar que “… as indenizações pagas pelo DPVAT são imorais, o que faz com que o custo por sinistro seja sempre muito baixo.”

As pressões de alguns agentes da sociedade fizeram, ao menos, que o pagamento do seguro fosse mais divulgado. Para se ter uma ideia, o valor pago por uma morte, até 1972, era de R$1.856,04, enquanto que os lesionados, apenas R$502,79, ainda segundo a Folha/UOL. Estes valores foram atualizados.

Os valores pagos pelo DPVAT, a partir de março de 2007, pela Lei 11.492, garantem à vitima do acidente, ou ao seu beneficiário, R$ 13.500,00, por vítima, em caso de morte; até R$ 13.500,00, por vítima, para invalidez permanente, de acordo com a gravidade das sequelas; e para reembolso de despesas médico-hospitalares até R$ 2.700,00, por vítima.

Destarte toda esta problemática social, ética, moral e securitária, surgem, a partir das investigações da Polícia Federal, divulgadas em abril de 2015, nuvens negras para o já combalido trânsito brasileiro.

A partir de ações de maior divulgação do DPVAT, através do site da Seguradora Líder, tem sido possível ter-se acesso os dados de acidentes de trânsito que resultaram em morbimortalidade, com os devidos pagamentos do seguro. Segundo o site dessa empresa, “Para aprimorar ainda mais o Seguro DPVAT, o Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, através da sua Resolução n° 154 de 08 de dezembro de 2006, determinou a constituição de dois Consórcios específicos a serem administrados por uma seguradora especializada, na qualidade de líder. Para atender a essa exigência, foi criada a Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT, ou simplesmente Seguradora Líder-DPVAT, através da Portaria n° 2.797/07, publicada em 07 de dezembro de 2007.”

Com essa maior transparência na divulgação dos dados de pagamento devido aos acidentes de trânsito, pode-se fazer várias comparações com os dados do DataSUS. Isto gerou inúmeros estudos, artigos de especialistas, estudos acadêmicos, dados em livros, etc. Os Boletins Estatísticos traziam dados, em princípio, com grande detalhamento, o que ajudava a criar uma radiografia dos dados agregados por estado, regionalmente e do país.

A ideia quase consensual era de que os dados do DataSUS eram subdimensionados, uma vez que o pagamento de indenizações por mortes e feridos suplantavam em cerca de 10, 15, 20% os números do Ministério da Saúde.

A surpresa maior está na bomba desta semana, segundo o site da Polícia Federal, que “… deflagrou (…), a Operação Tempo de Despertar*, com o objetivo de desmantelar uma organização criminosa, composta por uma extensa rede integrada de servidores públicos, policiais civis e militares, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, dentistas, agenciadores de seguros e outras pessoas, responsáveis por reiteradas fraudes ao Seguro Obrigatório de Danos Pessoais, causados por veículos automotores de via terrestre, o conhecido seguro DPVAT. As fraudes, até o momento, podem atingir o montante de R$ 28 milhões.”

Interessante notar o significado do (*) que acompanha o nome da Operação que “corresponde a um clamor social, feito pela PF, para que a população acorde para as fraudes e crimes que são cometidos contra a coletividade. Uma sociedade consciente de seus direitos e que reivindica uma ação correta do homem público está apta a ajudar as autoridades a tornar o País um lugar melhor.”

O país vive momentos delicados devido às crises política, de governabilidade, econômico-financeira, ética e moral, que tem levado a população às ruas clamando por mudanças para colocar novamente o país nos trilhos, visando um desenvolvimento econômico, social e ético que assegure um maior bem estar da sua população.

Mas, o objetivo precípuo deste artigo não era exatamente versar sobre esses problemas, importantes, sim, mas que fazem parte de extensas matérias, artigos e editais de toda a mídia.

O fato que traz mais preocupação, adicionalmente, é que a partir de todo o panorama aqui exposto, os dados que vem sendo divulgados pela Seguradora Líder passaram a ficar sob suspeita. E aqui não se está fazendo juízo de valor, nem estabelecendo culpabilidade de quem quer que seja, fato este que deverá ser analisado pela Polícia e Justiça Federal.

Se do ponto de vista do engenheiro ou gestor de tráfego a indisponibilidade dos dados de acidentes, que deixaram de ser publicados pelo Denatran, trouxe um impacto muito grande para os estudiosos em segurança viária, agora sequer poder-se-á levar em consideração aqueles elaborados e divulgados pelo DPVAT.

Os especialistas em engenharia e segurança viária sofrem mais um grande revés. Até que tudo seja esclarecido, os dados do DPVAT em nada servirão para novas análises. No entanto, fica uma pergunta que não quer se calar: E os estudos e análises realizados até o momento e que, de alguma forma, envolvem os dados do DPVAT? Inclusive alguns artigos e estudos de minha autoria? Devem ir para a lixeira! Não servem para nada. As dúvidas sempre persistirão. Suas conclusões não serão consistentes.

Uma nova crise se instala no conturbado cenário da engenharia e segurança de trânsito brasileiro, já tão pobre de dados. Ficará desprovido de mais uma fonte que se deslumbrava como uma alternativa interessante.

A corrupção no Brasil, além de impactar significativamente a infraestrutura dos transportes e trânsito nacional, atinge também em cheio, dados que seriam puramente técnicos, os relacionados com os acidentes de trânsito. Só resta lamentar, mais uma vez!

*Archimedes Azevedo Raia Jr.
Doutor em Engenharia de Transportes e especialista em trânsito, professor da UFSCar. Coautor dos livros Segurança de Trânsito e Segurança Viária e diretor de Mobilidade da Assenag-Associação de Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos de Bauru-SP.

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