por Milton Corrêa da Costa*
Trafegar em ziguezague ou em velocidade incompatível entre os carros no chamado “corredor da morte”, destruindo espelhos retrovisores, transitar sem roupas apropriadas (ainda não há regulamentação nesse ponto), sem o capacete de segurança, inclusive os garupas, mudar repentinamente de faixa de trânsito, efetuar manobras arriscadas ou transitar em excesso de velocidade, como se estivessem disputando provas de motocross ou moto velocidade, as vezes pelo simples pelo prazer de ouvir o ronco barulhento de das descargas livres, perturbando o sossego público ou ultrapassando veículos sem os cuidados indispensáveis à segurança de trânsito, são um conjunto de irregularidades e desafios ao perigo agora mensurada no país, num levantamento inédito e impressionante constante do Mapa da Violência 2012, feito pelo Instituto Sangari, numa pesquisa desenvolvida em 1 milhão de certidões de óbito, conforme matéria que acaba de ser publicada numa revista semanal de grande circulação no país.
Descobriu-se que o Brasil é hoje – caminha a passos largos para ser o primeiro do ranking – o segundo país do mundo em vítimas fatais em acidentes envolvendo motos. São 7,1 óbitos para cada grupo de 100 mil habitantes. Só perde para o Paraguai, com 7,5 mortes para o mesmo grupo de habitantes. Nos últimos quinze anos (pasmem), a taxa de mortalidade sobre duas rodas aumentou 846,5%. A de carros, 58,7%. A frota de motos, na última década, cresceu 246%. A de carros, no mesmo período, 65,3%. A frota de motos chega hoje a 18,5 milhões. A de carros, 37,2 milhões.
Não precisa dizer mais nada. Ou seja, os acidentes e as mortes envolvendo motos no Brasil são consequência, além da imprudência de motociclistas e do desafio permanente ao perigo, do crescimento da frota. Daqui a quatro anos a estimativa de especialistas é de que o número de motos já supere o de carros. No Hospital das Clínicas, em São Paulo, em 2010, diz o estudo, os acidentes de moto com homens lideram o ranking das internações em decorrência de trauma. Os atropelamentos vêm em segundo.
Nesse contexto de perigo mortal no trânsito vale aqui observar quatro tristes relatos da tragédia sobre duas rodas, mencionados na estarrecedora matéria jornalística, de quem conseguiu manter-se vivo após graves acidentes, mais se parecendo com relatos de vítimas de uma violenta guerra, além do relato realista de um ex- motoboy. Os nomes forem preservados, apenas citados o sexo e a idade dos declarantes. Vamos aos impressionantes relatos:
1) “Há cinco anos, sofri um acidente de moto numa curva fechada. Estava sozinho, não fui fechado, mas andava a 60 KM/H, velocidade alta demais. A moto caiu em cima da minha perna esquerda. Perdi metade dela. Sofri muito, claro, mas o sofrimento não foi suficiente para que minha paixão por motos esfriasse. Hoje, por algumas vezes, ainda me arrisco a dar uma voltinha pelo quarteirão. Amarro o pé da prótese na embreagem. O prazer de andar de moto é maior do que o ato da lembrança do acidente”. (sexo masculino/ 25 anos de idade)
2) “Sou alucinado por motos desde criança, Aos 12 anos, tive uma mobilete. Depois disso, troquei de moto diversas vezes. Já sofri acidentes feios. No primeiro, em 2202, quebrei a perna esquerda. Fiquei seis meses sem andar. No segundo, em novembro passado, a moto caiu em cima do meu pé direito. Tenho dois pisos no tornozelo. Nos dois acidentes, fui atropelado por carros. Hoje, só ando na estrada. Na cidade, nunca mais”. (sexo masculino / 34 anos)
3) “Sempre fui fascinada pela sensação de liberdade de uma moto. Em 2010, um carro bateu na lateral da minha moto e eu caí. A queda não foi séria -eu dirigia devagar. Mas a placa do carro rasgou meu pé até o tornozelo. O ferimento infeccionou gravemente e acabei perdendo não só o pé, mas toda a perna esquerda”. (sexo feminino / 36 anos/ mãe de duas filhas)
4) “Em 2010, fui fechado em um cruzamento por um ônibus escolar e caí da moto. Saí andando, mas ao tentar tirar o capacete, percebi que havia algo de errado. Não conseguia mexer o braço direito. Na batida, sofri lesões irreversíveis nos nervos do braço e da mão. Desde então, comecei uma batalha sem fim. De lá pra cá, tenho vivido um calvário: fui submetido a duas cirurgias e, três vezes por semana, faço sessões de fisioterapia. Hoje, já consigo mexer um pouco quatro dedos da mão e erguer o braço um pouco”. (sexo masculino/21 anos)
5) “Fui motoboy durante treze anos.Há quatro não sou mais. Cheguei a trabalhar dezesseis horas por dia, dividia o tempo entre o escritório e uma pizzaria. Gostava do que fazia. E vali a pena financeiramente. Comprei minha casa, tinha uma vida estável. Mas o que tenho visto nas rua nos últimos anos me fez abandonar a profissão. Testemunhava três acidentes por dia com motoboys, na maioria fatais. Hoje ganho menos, mas estou longe dessa loucura absurda e perigosa”. (sexo masculino/33 anos de idade).
A loucura absurda, a que se referiu o ex-motoboy, citada na pesquisa em percentuais, no que se refere as partes do corpo mais afetadas nos acidentes com motos, conforme dados da ABRACICLO ( Associação Brasileira de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares) e dados do Hospital das Clínicas, mostraram que a cabeça e o pescoço representaram 21,7% das lesões, 12,3% nos ombros, braço, cotovelos, antebraço, pulso e mão. No rosto a incidência foi de 10,2% das lesões.
Realmente estamos diante de números e relatos de uma verdadeira guerra e de difícil solução, onde a primeira mudança deveria iniciar-se por restabelecer cursos de formação rigorosos, onde a educação e a disciplina consciente na direção de uma moto ou de um carro fossem os grandes diferenciais na tentativa da mudança comportamental para tornar o trânsito uma atividade mais humana e menos violenta. Educar para o trânsito é educar para a vida. Por enquanto a guerra das motos e dos carros prossegue produzindo tragédias e o Brasil prossegue, inevitavelmente, para assumir, em pouco tempo, a liderança mundial de vítimas fatais em acidentes com motos. Profundamente lamentável.
*Milton Corrêa da Costa
Coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro e articulista da ABETRAN
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