O fumante deixa de fumar quando percebe que o cigarro mata. Com o carro, é mais ou menos o mesmo.
Movimentar-se pela cidade melhora a qualidade de vida, aumenta as escolhas. Permite escolher em qual escola colocar os filhos, usar equipamentos de saúde ou centros médicos, ir aos parques ou áreas de lazer e aumentar as chances de trabalho.
O modo como as pessoas se deslocam e a quantidade de deslocamentos na cidade estão diretamente ligados a diferenças socioeconômicas. As pessoas mais ricas se movimentam mais que as mais pobres. Aquelas que dependem de transporte público frequentemente ficam mais tempo se deslocando de um ponto a outro – mas fazem menos descolamentos. Ou seja, provavelmente, se o leitor tem uma empregada doméstica, o tempo que ela usa para ir da casa dela à sua é maior do que o tempo que você leva a ir de carro ao seu local de trabalho. Porém sua empregada faz um deslocamento, ida e volta, por dia: casa-trabalho-casa. Quem usa carro tem mais maleabilidade de fazer outras atividades no trajeto casa-trabalho, mesmo que desvie um pouco sua rota.
Quanto mais se pode movimentar na cidade, mais as oportunidades se ampliam. Mas será que a cada vez que você sai de casa de carro você aproveita esse deslocamento para fazer várias atividades, para aumentar suas oportunidades na cidade? Certamente não. É um hábito automático o de usar o carro para qualquer saída de casa. O problema é que o uso indiscriminado do carro tem custos, sociais e pessoais.
O custo social é o mais difícil de ser abordado, pois o interesse social é bastante vago, quase etéreo, para quem está dirigindo seu carro. Ao ouvir um comentário no rádio sobre os impactos ambientais (poluição) ou econômicos (perdas de horas trabalhadas no trânsito) ou sociais (aumentos de gastos com saúde pública) da motorização crescente, o usuário do carro pode até concordar. Mas ele está lá, sentado em seu carro, muitas vezes sozinho, confortavelmente com ar-condicionado, concordando. Uma concordância passiva. Não muda seu comportamento.
O desafio é passar da tomada de consciência para a mudança de atitude. E estou convencido de que a mudança de atitude só ocorre quando os custos pessoais começam a se fazer sentir. O fumante não deixa de fumar porque o cigarro incomoda outras pessoas ou aumenta os custos da saúde pública. O fumante deixa de fumar quando percebe que o cigarro mata. Com o carro, é mais ou menos o mesmo.
Há várias formas de se fazer sentir os custos pessoais de se usar o carro indiscriminadamente. São Paulo e outras cidades implantaram o rodízio, impedindo que carros com determinadas placas circulem em certos dias da semana. Londres cobra pedágio para se entrar de carro em algumas regiões. Em Nova York ou Barcelona, cobra-se muito caro para se estacionar nas ruas. Mas o que já está acontecendo em algumas de nossas cidades, como Curitiba, é o aumento do custo pessoal do uso indiscriminado de carros sentido pelos próprios usuários, uns em relação aos outros. A coisa chega a um ponto que os próprios usuários pedirão medidas restritivas.
Os congestionamentos são o primeiro sintoma. São Paulo, por exemplo, é uma das poucas cidades no mundo onde não há hora de pico, pois o trânsito é insuportável a qualquer hora, em qualquer lugar. Curitiba começa sentir a extensão da hora de pico, que agora vai das 7 às 10 da manhã – e em muitas avenidas, o trânsito continua pesado depois. Uma medida recente da prefeitura para reduzir congestionamentos e gargalos momentâneos, a de impedir conversões à esquerda em vias de mão dupla, para dar mais fluidez ao trânsito, causou certa preocupação em parte da população: ora, se não pode mais fazer a conversão, haverá dois problemas: primeiro, os motoristas terão de andar mais 300 metros para chegar aonde queriam, ao dar a volta no quarteirão; e o segundo e principal, isso jogará o tráfego para as vias locais. E isso causará transtorno em ruas residenciais, outrora tranquilas. Verdade. Que bom. Afinal, de onde esses moradores acham que vêm os carros que agora passarão a criar tráfego em frente de sua casa? Digo-lh es: de sua garagem.
Não sou contra o carro. Ele de fato amplia as oportunidades de se usar a cidade. O problema é usá-lo como uma parte inalienável de seu corpo, não como uma alternativa de deslocamento.
Pouco a pouco o uso indiscriminado do carro faz sentir quão ele pode fazer para os próprios usuários. É um momento ótimo para se propor alternativas.
*Fabio Duarte
Arquiteto e urbanista, é professor da PUCPR.
Originalmente publicado no site da Gazeta do Povo em 04/07/2011.
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