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Até 2020, mataremos meio milhão de pessoas no trânsito no Brasil. Façanha talvez inigualável no mundo.

por Luiz Carlos Mantovani Néspoli (Branco)*

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Na década anterior ao lançamento da campanha da ONU – Década de Ações para Segurança Viária, as mortes no trânsito no Brasil saltaram de 33 mil (2002) para 44 mil (2011), segundo o DATASUS. Feitas as contas, o número de mortes cresceu à razão de 2,9% ao ano e, mantida essa tendência, em 2020 serão 59 mil (veja gráfico) caso continuemos fazendo exatamente o que fazemos hoje para reduzir acidentes no país. Se desejarmos, realmente, atingir a meta proposta pela ONU de 50% de redução, no ano final da Década o número será menor do que 30 mil.
Computando ano a ano, contaremos 470 mil mortes até o final de 2020. Quase meio milhão de brasileiros perderá a vida em acidente de trânsito!

Se empreendermos ações efetivas e conseguirmos reduzir o número de mortes anuais rumo à meta em 2020, deixarão de morrer no trânsito cerca de 150 mil pessoas, mas ainda assim estaremos matando mais de 300 mil. Os números são assustadores.

Até o final da Década, isto irá representar um custo social (*) de R$ 645 bilhões (mais de meio trilhão de reais!). Com ações efetivas de segurança viária, poderemos atingir a meta, e com isso reduzir este impacto em aproximadamente R$ 200 bilhões.

Vale a pena? E como isso pode ser possível?

Uma boa medida seria observarmos a estratégia de dezenas de outros países que estão obtendo índices de acidentalidade cada vez menores ano após ano.

O IRTAD, um observatório vinculado ao International Transport Forum, que por sua vez é uma entidade da OECD – Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento, publicou recentemente o Relatório de 2012, disponível no site da ANTP, apresentando sumários estatísticos de 34 países e outras 457 páginas, ilustrando como eles organizam suas estatísticas de acidentes, que fatores de risco consideram mais importantes e, o que é mais interessante, qual a estratégia que adotam para reduzir mortes e feridos no trânsito.

Nos países que já detém, comparativamente, um baixo índice de acidentalidade, como o Reino Unido, Suécia, Dinamarca, Suíça, Japão, Alemanha e tantos outros, neles ainda se pode observar um programa nacional de redução de acidentes. Ou seja, continuam agindo. Mesmo com índices comparativamente vantajosos, continuam estabelecendo programas de ação, definindo metas e meios de acompanhamento e avaliação. No gráfico, a seguir, a situação brasileira.

É verdade que temos boas experiências em algumas cidades e até em algumas rodovias, também raras estatísticas locais bem feitas e alguns resultados positivos com a nova Lei Seca. O fato é que ainda não sabemos muito, ou quase nada, do que acontece na totalidade do nosso extenso território. Para quem deveríamos perguntar qual o quadro real de mortalidade no trânsito no país e quais os programas de ação existentes para se atingir a meta da ONU, ou qualquer outra meta? Qual seria a instância de governo responsável para responder a essa pergunta?

A responsabilidade pelo trânsito no Brasil é dos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito (SNT), que contempla os três níveis de governo,com atribuições normativas e de planejamento, operação, fiscalização, engenharia, formação de condutores e educação de trânsito. Logo, caberia a todos os entes do SNT responder à pergunta acima. Naturalmente que a cada um cabe estabelecer planos de ação e metas para redução de acidentes, cada qual no âmbito de sua competência específica, mas isto não substitui a necessidade de uma coordenação nacional.

Falta um programa nacional.

Se,como país, não temos um plano de ação, se não definimos metas, se não escolhemos os focos de atenção, se não disponibilizamos recursos, como será possível alcançar um resultado diferente do que vimos alcançando? A verdade é que a segurança viária foi deixada de lado, pelo menos como projeto de uma política pública nacional.

Como se não bastasse os dados globais de acidente, ainda mais alarmante é a taxa de crescimento do número de mortes por motocicletas no Brasil. De 2002 a 2011, segundo o DATASUS, saímos de 3.744 para 11.433, com um índice de crescimento de 7,4% a.a. Projetada a mesma tendência para 2020, o número poderá chegar a 24 mil. Metade de tudo! Deveríamos chegar em 11.700 pessoas, mais ou menos o que se morre hoje sobre uma moto. Como estabilizar este número para que a meta seja atingida?

O que essa situação mostra, ou aparentemente demonstra, é que não há interesse governamental pelo assunto, que o enorme custo social não tem nenhum significado, que a ocupação progressiva de 50% dos leitos hospitalares por traumatizados no trânsito é uma questão circunscrita à administração hospitalar do país e nada mais, e assim por diante. O país não pode permitir tamanho descaso!

Os países observados pelo IRTAD centraram (e continuam centrando) suas ações em alguns focos específicos, muito conhecidos de nossa comunidade técnica: velocidade, avanço de sinal vermelho, ultrapassagem em estradas, álcool, atropelamento, uso de cinto de segurança em veículos e capacete em motocicleta e,ao contrário do Brasil, todos eles têm uma coordenação nacional e formas diferenciadas de participação dos entes federados e até da sociedade civil,unidos num esforço nacional de redução de acidentes. Começam por definir, em muitos deles, uma “visão” de futuro. O Canadá, por exemplo, deseja ser o “país mais seguro do mundo”, o mesmo acontecendo com o Japão, também desejando ser “o país mais seguro do mundo”. E assim vai, cada qual demonstrando um desejo de um futuro melhor do que o presente. E o Brasil?
Uma política nacional, construída pelo Sistema Nacional de Trânsito, ouvida a sociedade civil, e coordenada pelo Governo Federal, deveria contemplar ações sobre esses ou outros pontos-chaves. E não precisaria partir do zero, já que o CONTRAN já publicou em 2004 a Política Nacional de Trânsito e, mais recentemente, em 2011, o Comitê Nacional de Mobilização pela Saúde, Paz e Segurança no Trânsito também elaborou um documento resposta à campanha da ONU. No fundo, o que nos falta é ação.

Senão fosse para tomar providencias, por que, então, fomos signatários da campanha da ONU?

(*) Custo social calculado pelos estudos da ANTP/IPEA/DENATRAN, em 2003 e 2005, que consideraram acidentes em aglomerados urbanos e em rodovias, respectivamente. Sobre os valores da época, aplicou-se a inflação no período.

*Luiz Carlos Mantovani Néspoli (Branco)
Superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP

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