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Acidentes de trânsito: neste quesito o Brasil é reprovado

por Archimedes Azevedo Raia Jr.*

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Dados apontam que na América Latina e Caribe, em 2010, registrou-se um total de quase 4 milhões de vítimas em acidentes de trânsito, dos quais mais de 140 mil foram fatais. Destes, só o Brasil respondeu com mais de 40 mil.
Foram quase de 3,8 milhões de feridos. Muitos dos feridos morreram logo após os acidentes pela exclusiva falta de atendimento médico adequado. Muitos ficam seriamente lesionados para o resto de suas vidas.
Apesar de inúmeras inconsistências motivadas pelas mais variadas metodologias de apropriação de dados usadas nos diversos países, que podem levar a alguma incerteza sobre os dados, não deixa de ser verdadeira a figura de verdadeira catástrofe viária.
Um estudo sobre acidentalidade viária na América Latina e Caribe, realizado pela Fundación Red de la Dignidad (FundaReD), capitaneada pelo incansável Mário Holguin, da República Dominicana, apontou que, em 2010, registrou-se uma taxa média de 15,6 mortos por 100 mil habitantes. Seis países se colocam acima desta média, em ordem decrescente de gravidade: República Dominicana (34,6 mortos/100 mil habitantes), Guatemala (29,5), México (21,5), Brasil (20,7), Venezuela (20,6) e Argentina (19,2). Abaixo da média, nesta mesma ordem, tem-se: El Salvador (18,1), Uruguai (16,2), Equador (16,2), Paraguai (15,8), Honduras (14,6), Bolívia (12,4), Panamá (12,4), Colômbia (12,0), Perú (11,7), Jamaica (10,9), Nicarágua (9,5), Chile (9,3), Porto Rico (7,7), Costa Rica (7,2) e Cuba (6,3).
É um verdadeiro caos e parece que os números, dignos de baixas motivadas por guerras sangrentas, não parecem incomodar a ninguém: políticos, administradores, população em geral. No Brasil, nestes últimos 15 dias verdadeiras tragédias tem sido reveladas sem que os Governos Federal, Estaduais e Municipais demonstrem sua indignação ou, mais que isso, os levem à proposição de medidas severas. Chocou mais a todos a morte prematura no craque Sócrates, em 4 de dezembro.
Por outro lado, países da Comunidade Européia tem conseguido reduzir substancialmente a acidentalidade viária. Neste momento, cita-se dados divulgados pela Dirección General de Tráfico (DGT), da Espanha.
Na década passada, o número de espanhóis mortos/ano passou de 4.067, em 2001, para 1.730, em 2010, correspondendo a 9.676 vidas salvas neste período. Os feridos graves, neste mesmo período, passaram de 18.944, em 2001, para 7.954, em 2010. Quase 50 mil pessoas deixaram de ficar lesionados seriamente.
Outro dado ainda mais contundente, os espanhóis conseguiram fazer com que a quantidade de motociclistas mortos, em 2010, caísse para o mesmo patamar de 2001, mesmo que a frota de motocicletas tenha passado de cerca de 1,5 milhão de veículos (2001) para quase 2,7 milhões, em 2010. De 2001 a 2007, o número de mortos estava em ascensão, quando em dezembro de 2007, o Governo colocou em prática o Plano de Segurança Viário para Motos, provocando um declínio significativo. Em 2010, comparado com os dados de 2009, a redução foi de 14%.
A severidade da fiscalização e ações repressivas e educativas, por parte das autoridades espanholas, fizeram com que o número de condutores e passageiros sem capacete reduzisse de 11% em 2001, para apenas 7%, em 2010. O não uso de cinto de segurança, no mesmo período, caiu de 41% para 23%; o número de condutores embriagados, registrado pelos controles de alcoolemia, caiu de 4,9% para 1,8%. Nesta década que terminou recentemente, três legislações diferentes contribuíram para o sucesso deste país hispânico na redução da violência da acidentalidade viária.
Mas a Espanha não é uma “ilha“ no continente europeu. Dentre os países da Comunidade Européia (CE), a Espanha saiu do 17º lugar, em 2003, com 128 mortos por grupo de 1 milhão de habitantes, quando a média na CE foi de 103 mortos por 1 milhão de habitantes, para 59 mortos por 1 milhão de habitantes, em 2010, quando a média da CE ficou em 69 mortos por 1 milhão de habitantes.
Neste sentido, o Reino Unido é o mais seguro com 38 mortos por 1 milhão de habitantes, seguido por Suécia (39), Países Baixos (39), Alemanha (51), Finlândia (52), Irlanda (54) e Dinamarca (55).
Há que se registrar que os países da Comunidade Européia, apesar da crise econômica que os incomodam sensivelmente, tem buscado tenazmente a redução da acidentalidade viária para níveis minimamente aceitáveis. Para isto, dentre outras ações, fazem uso da filosofia Visão Zero, que não considera aceitável que as pessoas percam suas vidas ou ficam seriamente lesionadas no trânsito.
Há algumas décadas atrás, quando os técnicos de trânsito brasileiros procuravam fazer comparações com outros países, principalmente, com os da América do Norte e Europa, muitos críticos contestavam os resultados, alegando que aqueles eram países muito mais ricos e evoluídos do que o Brasil e que a tentativa de confrontamento de dados não se justificava.
Hoje, o Brasil é parte do BRICS, é uma das maiores economias do mundo, e seu resultado no trânsito é tão ou mais pífio do que em décadas atrás. O crescimento da economia brasileira não tem sido acompanhado pela evolução nos índices catastróficos da sua acidentalidade viária. O país se posiciona, atualmente, atrás dos países da Comunidade Européia e de grande parte dos seus irmãos latinoamericanos, com Produtos Internos Brutos bem mais modestos.
E ainda tem políticos aprovando leis que permitem o parcelamento de multas em suaves prestações, que obrigam a colocar placas “aqui tem radar“, não corra. Mas, depois deste ponto, pode afundar o pé que não tem mais fiscalização.
Afinal, quando é que o país vai atingir a sua maioridade no trânsito? Quando é que as leis brasileiras contribuirão efetivamente para a redução dos acidentes? Quando é que o ébrio homicida irá para a cadeia e lá pagará pelo seu crime? Quando é que a educação do trânsito, prevista no Código de Trânsito e pela Municipalização do Trânsito, estará definitivamente implantada e será levada a sério? Quando teremos uma verdadeira cultura de segurança no trânsito?
Até lá, as famílias brasileiras chorarão os seus mortos e inválidos, vitimados pelos acidentes de trânsito, verdadeira tragédia nacional. O trânsito brasileiro está reprovado.

 

*Archimedes Azevedo Raia Jr.
Engenheiro, mestre e doutor em transportes pela USP, coordenador do Núcleo de Estudos Sobre Trânsito, professor da UFSCar e co-autor do livro “Segurança no Trânsito”, Ed. São Francisco. E-mail: raiajr@ufscar.br

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