Por Archimedes Azevedo Raia Jr.*
No trânsito brasileiro há muito pouca coisa a comemorar. Este, no entanto, não é o caso da segurança de trânsito relacionada às crianças e adolescentes. Em 2001, registrou-se a morte de 2.490 crianças e adolescentes (de zero a 14 anos), enquanto que, em 2016, esse número foi reduzido a 1.292, representando uma queda de 65,4%. Há que se ressaltar que neste período a redução nos óbitos foi continuamente decrescente, o que sinaliza para um processo de mitigação consistente e robusto.
Por outro lado, as internações de pessoas nesta faixa de idade apresentaram um aumento de 10.874, em 2001, para 11.986, em 2016, representando um aumento de 10,2%. Ao contrário do que se poderia pensar, este fato não é negativo por si só, pois sugere que medidas adotadas pela legislação brasileira e fiscalização de trânsito tenham conferido às crianças e adolescentes lesionados maior resiliência aos acidentes.
Estes dados confirmam os resultados obtidos em pesquisa desenvolvida por Cintia Campos, na Universidade Federal de São Carlos, no Núcleo de Estudos sobre Trânsito, Transportes e Logísticas e Programa de Pós-graduação em Engenharia Urbana, em 2014, que apontava que, entre 1996 e 2010, as mortes diminuíram em cerca 43%, com uma tendência de queda. Em 1996 era de 7,34 mortes/100 mil crianças, enquanto que em 2010 era de 4,13.
Crianças lesionadas ou mortas no trânsito podem assumir as condições de passageiras de veículos ou pedestres. Na condição de pedestres, o ambiente das vias e espaços públicos em que transitam traz, de um lado, grande potencial de risco e, de outro, poucas condições de segurança.
Dentre outros fatores que provocam atropelamentos em geral, mas particularmente de crianças, cita-se a falta de campanhas de educação para o trânsito para motoristas e pedestres, desrespeito aos limites de velocidade, precariedade ou ausência de calçadas, falta ou deficiente sinalização, projetos geométricos de vias e rodovias sem os devidos cuidados para pedestres, e a falta da cultura de respeito à legislação e segurança no trânsito.
Adicionalmente, as crianças são mais vulneráveis ao acidente por atropelamento, uma vez que estão expostas às condições de tráfego que superam sua capacidade de percepção do risco que estão correndo.
Segundo os grandes especialistas em segurança viária, Rune Elvik, Alena Høye, Truls Vaa e Michael Sørensen, do Instituto de Economia dos Transportes de Oslo (Noruega), quando crianças são transportadas nos veículos de acordo com os requisitos e recomendações legais de segurança, há uma redução de cerca de 50% no risco de serem mortas ou feridas, quando comparado ao risco das crianças que são transportadas sem as recomendações legais de segurança; e de 30 a 40% menos risco de virem a óbito ou serem lesionadas do que crianças que viajam de maneira incorreta em relação às exigências de segurança.
Ainda segundo estes autores, crianças de colo, quando transportadas corretamente, de maneira segura, ou seja, conforme a legislação, têm cerca de 60% menos risco de ferimentos do que as crianças que viajam somente com um cinto de segurança afivelado. Crianças de até três anos assentadas no banco traseiro têm 55% menos risco de serem mortas ou feridas gravemente do que as crianças da mesma idade no banco dianteiro; e 30% menos risco de serem feridas no geral. Para crianças maiores, a diferença de risco entre assentos traseiros e dianteiros é menor e estatisticamente insignificante. Para crianças maiores do que oito anos, os estudos mostram que não parece haver diferença significativa. Quando as crianças se sentam no banco traseiro, há aquelas que se sentam no meio do banco, que aparentemente tem o menor risco, mas, também a diferença entre os assentos não é significativa. De maneira geral, crianças sentadas no lado da colisão são as que devem sofrer maiores lesões.
Em seu Relatório Global sobre a Posição da Segurança Viária 2015, a Organização Mundial da Saúde elogiou o Brasil devido à existência de legislação que assegure a segurança no transporte de crianças nos veículos, através, principalmente, dos DRI-Dispositivos de Retenção Individual, assegurados pela Resolução 277, de 28 de maio de 2008, do CONTRAN.
Esses dispositivos garantem às crianças oportunidades concretas de escaparem de um acidente de trânsito com vida ou mesmo ilesas, constituindo-se em dispositivos fundamentais para assegurar maior segurança. Devido a comportamentos desidiosos, quer seja pela falta de conhecimento ou mesmo irresponsabilidade dos adultos, as crianças não são transportadas de forma segura, ficando a cargo do poder público implementar leis de obrigatoriedade do uso dos dispositivos, juntamente com a sua fiscalização ativa, além de fomentar ações de incentivo ao seu uso.
No entanto, somente uma política estratégica de fiscalização, com ações planejadas e permanentes, fará com que a legislação seja devidamente assimilada e obedecida. E as crianças conquistarão maiores chances de chegarem ilesas à vida adulta.
*Archimedes Azevedo Raia Jr. é engenheiro, doutor em Engenharia de Transportes e especialista em trânsito, professor da UFSCar. Coautor dos livros Segurança de Trânsito e Segurança Viária, diretor de Mobilidade da Assenag e membro do Conselho Diretor da ANTP.
Nascemos do ideal por um transitar seguro e há três décadas nossos valores e pioneirismo nos permitem atuar no mercado de ITS atendendo demandas relativas à segurança viária, fiscalização eletrônica de trânsito, mobilidade urbana e gerenciamento de tráfego.