Instituída a escravidão nas rodovias. Na lei dos caminhoneiros, sancionada recentemente, encontramos coisas incompatíveis com o bom senso. Jornadas de trabalho desajustadas com outras categorias, desobediência à consolidação das leis trabalhistas, com a qualidade de vida do trabalhador, com os riscos a que é submetido e com a discriminação. Para caracterizarmos isso, vamos avaliar o tempo de trabalho permitido bem como a obrigatoriedade do exame toxicológico.
Estamos longe de encontrarmos soluções para redução dos nossos acidentes, de mortes, sequelas, perdas patrimoniais, famílias que ficam no desalento, desprotegidas e que certamente produzem grande prejuízo social.
Não podemos pensar que o motorista ao sentar-se na direção veicular sai a passeio. Que sentado, vendo paisagens diferentes está fazendo uma higiene mental e com isso pode tolerar 12 a 13 h de jornada de trabalho. Também não podemos ignorar que a cada 4 h na direção veicular, o homem tem lapsos de atenção, que com 8 h tem déficit de atenção e que acima disso o risco de acidente aumenta em duas vezes.
Ignora-se ainda que a vibração de corpo inteiro, o ruído uniforme e contínuo, o movimento pendular do tronco e da cabeça e as imagens que passam no seu campo visual durante toda a jornada são fatores indutores da fadiga e do sono. Fora isso, incorporam-se os distúrbios do sono, principalmente da privação do sono, coisa comum entre os caminhoneiros que repousam em local inadequado, dentro da boleia, na rede pendurada, contrariando o que é recomendado pela higiene do sono. A vibração de corpo inteiro capaz de levá-lo ao final da jornada à exaustão física. A alimentação de rua, o estresse físico, psicológico e social, o medo de ter um acidente, de causar dano a terceiros e ao patrimônio, de ser assaltado, sequestrado e até morto.
Não se pode permitir que um trabalhador submetido à agressão física, caracterizada pela vibração e o ruído já citados, às variações térmicas e climáticas, ao risco químico em decorrência de exposição a gases, vapores, poeiras, fuligem além dos produtos químicos que possa estar transportando, não tenha limite restrito a tal exposição. Ainda o risco biológico pelo fato de estar submetido a doenças endêmicas, infectocontagiosas, doenças tropicais, nas diversas regiões por onde transita. Além das condições de higiene precária na boleia e do próprio corpo e também quando transporta cargas orgânicas. O risco ergonômico pelo trabalho repetitivo que executa e dependendo das condições de manutenção do veículo, submetendo-o a maior esforço. Ainda o risco de acidentes, de problemas com cargas perigosas, com o isolamento da família e da sociedade, desenvolvendo trabalho em situação de isolamento.
Não se pode entender que submetido a tantos agentes agressivos e nocivos possa ser visto como um trabalhador comum. Não é.
O Departamento de Medicina de Tráfego Ocupacional da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (ABRAMET) não pode estar ausente e tão pouco furtar-se a criticar a lei ora sancionada por ser uma lei avessa às necessidades da sofrida classe trabalhadora que é uma das responsáveis pelo progresso desse país.
Este trabalho é para todos nós, que estudamos, pesquisamos e temos nossa atenção voltada para a máquina, o homem e o meio, de extrema penosidade e acreditamos que haverá uma revisão dessa matéria com objetivo maior redução de custos para o país, redução dos óbitos que todo dia estão em nossas manchetes e que é o principal fator da nossa luta pela vida.
As causas primordiais de acidentes em nossas rodovias são fadiga 18% e sono 42% perfazendo uma estatística alarmante de 60% de todos os nossos acidentes. Vale a pena lembrar que 93% dos acidentes acontecem por falha humana. Costumamos dizer que hoje, em todo acidente rodoviário tem um motorista profissional envolvido e que o motivo principal é o excesso de jornada de trabalho.
Defender essa classe trabalhadora das agressões do trabalho e das jornadas longas não pode ser diferente do médico e da enfermeira que têm uma jornada de 6 h e o risco é a insalubridade, do funcionário do banco com risco ergonômico e do telemarketing que trabalha apenas 6 h, e o risco físico caracterizado pelo ruído sendo responsável por essa jornada reduzida.
Motoristas usam drogas porque são explorados, escravizados numa atividade de alto risco para si e para terceiros. Salários e fretes insuficientes diante de combustíveis, pedágios e manutenção caros.
Leigos, em nossas câmaras legislativas, aprovam leis sem uma consultoria especializada. Melhor remuneração seria o suficiente para redução da jornada de trabalho, redução das mortes e sequelados oriundos das estradas e permitindo uma melhor qualidade de vida. O uso de drogas pelos caminhoneiros é pela sobrevivência já que não conseguem remuneração adequada ao sacrifício que são submetidos. O governo, o empresário, o embarcador, os levam a trabalho extremamente sofrido.
O exame toxicológico é uma afronta ao trabalhador, é achincalho discriminatório, humilhante já que jamais poderá ser correlacionado a um possível acidente. Lembro que o exame é de larga janela, janela essa que tem noventa dias.
O que é o exame:
Material a ser coletado: tufo de cabelos ou raspado de unhas.
Objetivo a detectar: drogas (maconha, cocaína e derivados, anfetaminas, metanfetaminas, ecstasy, opiáceos e codeína).
Quem faz a coleta do material: profissional da área de saúde com treinamento especializado.
Custo: coleta do material R$ 40,00 + exame toxológico R$ 320,00 = Total: R$ 360,00
Surgem as perguntas:
Determina o dia e a hora que a droga foi usada? Não.
Pode o motorista usar a droga fora do seu horário de trabalho? Sim.
Nesse caso ocorre punição? Não.
O usuário para a lei brasileira é um criminoso? Não.
Caso o resultado for positivo, poderá ser solicitada uma contra prova? Sim.
Quanto tempo ficará o trabalhador afastado do trabalho, caso positivo? Indeterminado.
Compromete a perícia médica do INSS? Sim.
A fraude é possível? Sim, o usuário poderá manter o uso da droga para continuar recebendo auxílio doença.
O álcool pode ser usado no período de lazer. E a droga?
O exame deu positivo, o empresário pode mandar embora? Não, ele é um dependente químico. Deve tratá-lo.
Ora, porque se faz uso do bafômetro nas blitze? Para se constatar a presença de álcool na direção veicular.
Porque as outras drogas não são assim?
Interessa a alguém se o sujeito passa o domingo bebendo ou usando droga fora de sua jornada de trabalho?
As drogas na direção veicular precisam ser combatidas diariamente. É necessário entendimento, compreensão de todos, para não gerarmos o sacrifício financeiro de “novo pedágio”, vamos chamar assim, além da crucificação do nosso caminhoneiro.
O país que está à beira da legalização da droga, comprova a agressão que está sendo feita.
*Dr. Dirceu Rodrigues Alves Júnior
Diretor de Comunicação e do Departamento de Medicina de Tráfego Ocupacional da ABRAMET
www.abramet.org.br
dirceurodrigues@abramet.org.br
dirceu.rodrigues5@terra.com.br
Nascemos do ideal por um transitar seguro e há três décadas nossos valores e pioneirismo nos permitem atuar no mercado de ITS atendendo demandas relativas à segurança viária, fiscalização eletrônica de trânsito, mobilidade urbana e gerenciamento de tráfego.