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O trânsito inseguro é fruto da desigualdade entre os iguais

Especialista aponta que o conceito falho de igualdade conduz ao descumprimento das normas

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Ir além dos fatos estatísticos. Com essa visão, um dos mais importantes antropólogos brasileiros, Roberto DaMatta, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), lançou no ano passado o livro “Fé em Deus e pé na tábua”, que deixa sua contribuição para que o Brasil encontre o caminho mais adequado para resolver o problema do trânsito, permeado por insegurança, congestionamentos e falhas de mobilidade e acessibilidade.

O pesquisador participa também de um projeto no Espírito Santo, intitulado Igualdade no Trânsito, cujo mote é ensinar na escola primária que o trânsito deve ser igualitário. Ou seja, ensinar a reconhecer o outro como um igual, não como um inferior ou um superior. “O igual é sujeito como nós, só que alternativo, diferente; isso, por incrível que pareça, ainda não chegou ao Brasil”, destaca.

Em entrevista exclusiva à Newsletter Perkons, DaMatta falou sobre o que o estimulou a realizar esses estudos, e esmiuçou um pouco mais as suas ideias principais. Confira:

 

Perkons – Nos seus estudos na área de trânsito, o que mais o instiga no comportamento do brasileiro?
Roberto DaMatta –
A total ausência de uma consciência do outro como um igual, como alguém com os mesmos direitos e deveres  do reclamante ou entrevistado. Ou seja: até hoje, não conseguimos internalizar a igualdade como um valor na consciência social ou coletiva nas nossas cabeças. Tal desdém conduz a uma visão pervertida das normas. Em vez de serem vistas como sinais positivos, pois orientam e geram confiança, permitindo saber quem vai ou quem fica; elas são lidas como obstáculos. No Brasil, obedecer a normas ou leis é um sinal de inferioridade, pois o que vemos cotidianamente é o justo oposto. A desobediência e o descumprimento começam justamente no governo e com as mais altas autoridades da República.

Perkons– Qual a relação entre a política e o comportamento no trânsito?
RDM –
Não temos políticas para o trânsito, temos campanhas muito mal-ajambradas que confirmam o nosso péssimo comportamento e o reproduzem. Falta uma campanha forte mostrando que o espaço público constituído pelo trânsito só pode ser democrático e igualitário.


“Ninguém muda velhos hábitos apenas com leis”, afirma Roberto DaMatta, antropólogo e professor da Puc-Rio. (Crédito: Serena DaMatta – que é neta dele).

Perkons – Que traços da nossa história se revelam na cultura atual do nosso trânsito? Como o Brasil pode traçar um futuro diferente?
RDM –
Fomos um apêndice de Portugal na América do Sul. Tivemos um Rei que aqui deixou seu filho (Pedro I) e seu neto (Pedro II). Fomos uma sociedade de barões e escravos. Esse modelo ou matriz veio a permear toda a máquina administrativa nacional e, quando viramos república, veio a ser esse instrumento de aristocratização de alguns funcionários que hoje, graças ao mercado e a um pouco de sua meritocracia, nos horroriza. Neste sistema, quem fazia as leis, quem as entendia, quem as aplicava, não precisava obedecê-las.  Essa era a norma subjacente ao sistema, a norma não falada ou escrita. Resulta desse cenário histórico o fato de que obedecer no Brasil é sinal de inferioridade. Deve-se reverter isso. Na verdade obedecer é um sinal de superioridade social, de consciência de igualdade. O ideal para mim seria politizar a questão do trânsito, discutir esse histórico e, em seguida, discutir meios para tornar esse ambiente menos agressivo e hostil aos que são cuidadosos.

Perkons – Como não deixar motivos pessoais se sobreporem às regras que buscam dar harmonia ao trânsito?
RDM –
Pela educação. Pela premiação dos que seguem as normas e punição dos que não seguem. Pela discussão e ensino das implicações da agressividade num sistema onde o encontro de máquinas e homens se torna muito perigoso.

Perkons – Nesse processo de educação no trânsito, algo deve ser modificado também nas formas de fiscalização e punição? Como vê essa questão no Brasil?
RDM –
Sem dúvida. Mas essa é uma questão a ser melhor discutida pelos especialistas no assunto. Eu apenas sugeriria que deveríamos ser mais conscientes sobre o tema. Por exemplo: em vez de “carteira de motorista”, algo que soa como um diploma, deveríamos dar uma “licença para dirigir”. A licença não torna o sujeito um profissional do volante como o faz pensar a carteira. Ao lado disso, deveríamos gastar mais dinheiro com campanhas reveladoras dos aspectos negativos do nosso comportamento, o que ressaltaria o lado correto do mesmo. Isso foi feito e ainda é realizado em muitos lugares. Ninguém muda velhos hábitos apenas com leis.

Perkons – O que o levou a estudar a relação do homem e o trânsito e estimulou os trabalhos que resultaram no projeto realizado no ES e o seu recente livro?
RDM –
Em um entardecer no Rio de Janeiro, em 1964, quando estava voltando de um ano em Harvard, vi uma velha mendiga quase ser atropela por um ônibus. Em Cambridge, bastava colocar o pé na rua para que os carros parassem…


O antropólogo participou no inicio do mês do programa Canal Livre, da Band, em entrevista pautada em sua obra. Confira aqui.

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