Nesta entrevista exclusiva, o autor do estudo sobre comportamento do condutor brasileiro, divulgado no último dia 23, dr. Paulo Resende fala sobre os bastidores da pesquisa, resultados, sua opinião e expectativa. Ele é doutor em Engenharia de Transportes e Logística (University of Illinois, EUA) e coordenador do núcleo CCR de infraestrutura e logística da Fundação Dom Cabral. Na pesquisa foram analisados 533 trechos de rodovias brasileiras, tanto concedidas como públicas; dados de acidentes, da Polícia Federal e Concessionárias, e números de VMD (Volume de tráfegos) do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte). O período verificado foi entre 2005 e 2009.
Perkons – Qual foi a maior dificuldade no levantamento?
Paulo Resende – Começamos com uma decepção. Eu esperava ter dados de um período maior. Quando fomos analisar os dados sobre os acidentes, parece que o Brasil não teve acidente antes de 2005 porque não existia banco de dados consolidado. Quando procuramos a PRF pra fazer o levantamento, desde 2002 para fechar dez anos de análise, eu não consegui. E não por má vontade da polícia. Fomos para uma sala enorme cheia de BOs (Boletins de Ocorrências) e teríamos que contar tudo. Já a primeira e maior dificuldade foi que havia nesse banco de dados 120 mil acidentes analisados, mas não classificados. Tem uma descrição. Tivemos que ler durante seis meses a descrição para dar uma nomenclatura.
PK – O senhor afirma que o brasileiro não sabe conviver com estradas em boas condições. Por que?
PR – Pela análise dos tipos de acidentes mais comuns e frequentes em estradas em boas condições: capotamento, saída de pista, batida traseira e abalroamento – batida lateral. As três primeiras estão mais relacionadas à velocidade e a última com falta de atenção. Isto nos indica que o motorista ou estava em alta velocidade por ser pista boa ou estava distraído, provocando colisão traseira.
PK – E a diferença para uma estrada ruim?
PR – Em uma estrada ruim todos andam em velocidade menor, há menos diferença de velocidade entre os carros e o mais comum é a colisão frontal, que é resultado de audácia e não de direção defensiva – que, no caso dos brasileiros, resulta de dois fatores: o primeiro é “conheço essa estrada como a palma da minha mão”. E geralmente é pista simples, que o motorista entra na contramão pra ultrapassar. O outro fator é o fator carro velho, com pouca potência, em pista simples, onde a ultrapassagem em regiões mais acidentadas, com aclive forte, acha que o carro vai dar conta de ultrapassar e quando se vê já esta na contramão sem condição de voltar pra pista.
Nos nossos estudos, o que mais mata em estradas boas é o excesso de velocidade com batida traseira ou saída de pista. E nas ruins, a colisão frontal. Os dois tipos demonstram uma imprudência absoluta. O motorista brasileiro é absolutamente imprudente na direção.
PK – A pesquisa traz o dado que quase 66% dos acidentes com morte, em trechos urbanos rurais aconteceram nos finais de semana e de madrugada. O que isso revela?
PR – Revela que ou o motorista está cansado ou está em um estado de consciência de direção sob influência. Me parece que se fizermos uma relação entre final de semana, madrugada e rodovias com trechos urbanos, esses três fatores me levariam a concluir que existe uma possibilidade alta de termos influência do álcool, mas não posso comprovar cientificamente. No caso do brasileiro, o teste do bafômetro, que entraria no Boletim de Ocorrência e serviria para constatação, não é feito pela grande maioria dos brasileiros.
PK – Qual o perigo da existência de rodovias cortando trechos urbanos?
PR – Um perigo enorme, isso é comprovado mundialmente e nos países mais desenvolvidos, quando tem investimento em rodovias que cortam regiões urbanas, a primeira coisa que fazem é construir os contornos urbanos. Essa priorização existe porque em termos de acidentes, o primeiro fator preocupante é justamente a diferença de comportamento provocado pelo propósito da viagem. Quando você está em uma rodovia por longa distância, o propósito se adéqua a isso: a velocidade é maior, você troca menos marcha, você tem uma atenção maior ao comportamento do tráfego a sua volta e a rodovia é preparada pra imprimir maior velocidade. O que interessa é a mobilidade, com fluidez e velocidade. Quando você tem um trecho urbano, a mobilidade dá lugar ao acesso. Os motoristas estão preocupadas em ter acesso a alguma coisa, mesmo que seja em velocidade menor. Quando você mistura acesso com mobilidade, o resultado, em termos de acidentes, não é bom. Você tem muitas pessoas com propósitos de viagem diferentes. Aí que gera o conflito e os altos índices de acidentes.
PK – A conclusão do estudo é de que a maioria dos acidentes está ligada a fatores comportamentais, como excesso de velocidade, imprudência, manobras perigosas e falta de experiência na direção. Qual a sua sugestão para mudar isto?
PR – Maior fiscalização, com certeza, uma mudança imediata nas leis brasileiras que pudesse permitir uma percepção sobre o estado físico e mental do motorista e a punição. Que a recusa ao bafômetro seja considerada uma demonstração de culpa passível de punição agravada se no exame posterior de exame clínico for comprovado. Defendo que nos acidentes de trânsito o culpado deva ser exemplarmente punido, como acontece em todos os países desenvolvidos, com prisão, perda de carteira e serviços comunitários. O que temos no Brasil é o sentimento de absoluta impunidade, os motoristas se sentem tranquilos depois de causar acidente. Nesse ponto, o sistema legal brasileiro comete um erro grave de confiar na consciência das pessoas. Acredito que algumas se envolvem com culpabilidade e última coisa que têm é consciência.
PK – Qual a sua expectativa de como este estudo pode contribuir à sociedade brasileira?
PR – Discussão. Só quem já perdeu pessoas em acidentes sabe o quanto dói. Tenho muita, muita, vontade pra conversar sobre o assunto. Quanto mais pessoas, melhor. O estudo é uma contribuição interessante que, se a gente puder fazer com que o motorista no último momento pense no estudo e mude seu comportamento e uma morte for evitada, já valeu a pena. Tenho também um uma expectativa grande que os gestores públicos, e principalmente os legisladores brasileiros, levem esses estudos debaixo do braço, leiam e que pelo menos toque no coração deles e nas suas prioridades. Para que se um dia cair na mão deles uma possibilidade de modificação das leis pensem no estudo e contribuam para um morto a menos nas estradas. Se cada um deles pensasse que cada um pode contribuir com uma morte a menos teríamos milhares de mortes a menos.
Serviço:
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