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Insanidade recorrente no trânsito

Por Archimedes Azevedo Raia Jr.

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As loucuras e desatinos constatados cotidianamente no trânsito brasileiro são aspectos que demonstram a falta de cultura de segurança e, de forma mais evidente, uma verdadeira insanidade por parte dos seus usuários. Através de dois casos reais, ocorridos nos últimos dias na região de Bauru (SP), pode-se ter uma amostra do real panorama desta assertiva e que faz com que as pessoas acabem por ser agentes e vítimas das próprias irresponsabilidades, além de terceiros que nada têm a ver com o fato. Os nomes citados são fictícios.

CENA 1. Sebastiana, uma senhora de 41 anos, perdeu a vida vítima em um acidente de trânsito em uma estrada vicinal. Ela era passageira carona de um veículo denominado de “gaiola”, usado para corridas off road, dirigido por seu filho Caio, de apenas 16 anos de idade, que ficou apenas com ferimentos. Segundo a Polícia Militar, o adolescente tomou por empréstimo de um amigo o veículo e foi dar um rolê com a própria mãe e, ao passar por uma poça d’água existente na estrada, perdeu a direção e provocou o seu capotamento. Como resultado, os dois foram atirados para fora da gaiola. Caio saiu à procura de ajuda, deixando a mãe no local do acidente. Quando o socorro chegou, Sebastiana já havia morrido. Aquilo que era para ter sido apenas um dia de lazer entre a família e amigos resultou em morte no trânsito de uma jovem senhora.

CENA 2. Gian é casado e pai de três filhos, de dois, quatro e cinco anos. Por volta das 23 horas, a família, que fazia uma visita aos parentes, resolveu ir embora, entrou em um Fusca e partiu. Poucas quadras adiante, em um cruzamento com uma via preferencial, Gian não fez a parada obrigatória e chocou fortemente o velho Fusca na lateral de um ônibus circular e, em seguida, contra um poste de sinalização de trânsito. Com o impacto, Fabio (4 anos) foi arremessado fora o veículo, e não resistiu aos ferimentos, indo a óbito. A esposa e as outras crianças se feriram e foram conduzidas ao pronto-socorro. De acordo com a Polícia Militar, Gian não é habilitado e o veículo estava com o licenciamento vencido e em nome de um terceiro. O registro policial não esclareceu se os ocupantes do Fusca usavam cinto de segurança, porém, o delegado afirmou que nenhuma das crianças estava assentada na cadeirinha (DRI). Gian passou pelo teste do etilômetro, que constatou 0,26 miligrama de álcool.

Como se pode depreender pelas duas histórias que, certamente, representam uma amostra da quantidade de infrações que são cometidas recorrentemente nas vias urbanas, estradas e rodovias brasileiras, e que resultam em sérios danos físicos e mortes, além de danos materiais de grande montante. Os “custos” associados à dor e perda de entes queridos são imensos, e não se tem como quantificar; os custos sociais também são altíssimos.

Grande parte dos acidentes de trânsito decorre de atos impensados, às vezes insanos. No caso da Cena 1, um momento de alegria e euforia, tanto por parte da mãe de Caio como do proprietário do veículo “gaiola”, não permitiram imaginar que a pretensa diversão a ser empreendida pudesse resultar na morte de Sebastiana. No entanto, quanta gente entrega os seus veículos nas mãos de menores e pessoas sem habilitação, pela falta de consciência ou pelo receio de dizer um NÃO.

Na Cena 2, igualmente, quanta irregularidade e irresponsabilidade por parte de pai e mãe dessas crianças, que foram duramente penalizados com a perda de um dos três filhos. Às vezes, raciocina-se “é só um trechinho pequeno” ou “não vai acontecer nada”. “Eu bebo, mas não fico alterado”.

Além de um sentimento de culpa que, com certeza, levarão para o resto de suas vidas, a perda da jovem mãe e de um inocente menino já são, por si, uma pena pesadíssima e, nos dois casos, absolutamente evitáveis. Este fato se repete com grande parte dos “acidentes” de trânsito registrados no Brasil que, na verdade, não são acidentes e sim fruto de ações impensadas ou omissões que provocam grandes taxas de morbimortalidade.

Como aponta o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) “Global status report on road safety 2015”, o país até que possui boa legislação de trânsito (lei seca, cinto de segurança, capacete e dispositivos de retenção de crianças), porém as ações de educação para o trânsito e de fiscalização são muito deficientes, conduzindo a resultados catastróficos, com dezenas de milhares de mortes e centenas de milhares de lesionados graves. Muitos destes ficam com lesões permanentes, incapacitados ao trabalho.

Passados mais de cinco anos de vigência da Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2011-2020, lançada pela Assembleia Geral da ONU e coordenada pela OMS, o Brasil não apresenta os mínimos sinais de que poderá atingir a meta de redução de 50% da mortalidade. Quiçá pode-se esperar ao menos por uma tendência de redução. O país tem feito muito pouco para o atingimento da meta.

Para se atingir o ambicioso objetivo traçado precisa-se, urgentemente, de políticas públicas e empreender ações que conduzam a uma cultura de segurança no trânsito. O país já dispõe, há mais de dez anos, de uma Política Nacional de Trânsito. Só falta ser colocada efetivamente em prática através de ações bem elaboradas, devidamente monitoradas e permanentemente avaliadas e revisadas. Só assim poder-se-á ter uma leve esperança de melhores resultados para o hecatômbico trânsito nacional.

 

* Archimedes Azevedo Raia Jr.

Engenheiro, doutor em Engenharia de Transportes e especialista em trânsito, professor da UFSCar. Coautor dos livros Segurança de Trânsito e Segurança Viária, diretor de Mobilidade da Assenag, e membro do Conselho Diretor da ANTP.

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