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Infratores contumazes ainda são problema no trânsito

Os infratores de trânsito, na sua grande maioria, têm consciência do comportamento inadequado que manifestam

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Por que alguns condutores insistem em infringir as leis de trânsito? Estes motoristas chamados contumazes transgridem a lei pelo simples fato de que podem pagar as multas ou por pura distração? O percentual de motoristas que respeitam a fiscalização eletrônica de velocidade têm se mostrado estável nos últimos anos, pouco mais de 99% de respeitabilidade. Contudo, por mais que seja um resultado alto, sempre há condutores desrespeitando a fiscalização.

A Perkons ouviu duas especialistas em comportamento no trânsito – as psicólogas Julieta Arsênio (especialista em Estudos Disciplinares do Comportamento de Trânsito, pela Universidade Católica de Campo Grande-MS) e Iara Picchioni Thielen (doutora em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, professora da Universidade Federal do Paraná e fundadora do Núcleo de Psicologia do Trânsito), – para entender porque há infratores contumazes e qual seria solução para melhorar este cenário.

Julieta Arsênio – “Os infratores de trânsito têm consciência do comportamento inadequado”.

Crédito: Arquivo Pessoal

Perkons – O senso comum sugere que o desrespeito aos equipamentos de fiscalização (radares, lombadas eletrônicas etc.) vem da impunidade. Qual a opinião de quem estuda o trânsito?

Julieta Arsênio – Somos pessoas com individualidades diferentes umas das outras. É possível que para alguns, até por negligência, seja por causa da impunidade; para outros por desatenção intencional, para outros ainda, aquele tipo de condutor que age a laissez-faire (age e, em não surtindo nenhuma consequência da fiscalização, continua agindo assim). Ao avaliarmos uma ocorrência não adequada no trânsito, devemos avaliar até que ponto o condutor tinha a capacidade de entender o que estava ocorrendo antes do sinistro e se tinha capacidade para se autodeterminar e evitar a ocorrência. O que podemos notar é que os infratores de trânsito, na sua grande maioria, têm consciência do comportamento inadequado que manifesta. Comete infração porque quer cometer, seja por impunidade ou por qualquer alteração da condição básica que ele tiver.

Iara Thielen – O balizador do excesso de velocidade é o próprio motorista: ele tem definições individualistas que distorcem o sentido coletivo do trânsito. Ele não acredita que exceda a velocidade, porque quem decide o que é excesso é ele. E a velocidade na qual ele transita nunca é excessiva. A velocidade do “outro” é que representa perigo. Ele excede porque é cuidadoso. O outro excede porque é irresponsável e porque há impunidade. Nossa legislação ensina que “correr um pouquinho” não é perigoso. Há um limite, mas ultrapassá-lo pode representar uma infração “média, grave ou gravíssima”. Excesso de velocidade sempre está listado como uma das principais causas de acidentes. Mas nem os legisladores, nem os motoristas acreditam nisso. Correr um pouquinho não faz mal: é a crença generalizada. Banalizada. E há muitos mortos e feridos em decorrência dessa banalização do excesso de velocidade.

Perkons – Muitos motoristas se mostram individualistas, atribuindo aos outros o problema de exceder os limites de velocidade, enquanto eles mesmos não percebem suas atitudes. Este comportamento aparece quando o motorista, ao ser abordado, se justifica dizendo: “foi só desta vez”. De que forma esta atitude prejudica o trânsito? Qual a importância da fiscalização?

Julieta Arsênio – Infelizmente, a própria formação de condutores faz com que eles sejam individualistas e aliada aos traços de sua personalidade, ficam poderosos e imprudentes. No trânsito, o comportamento é social, pois nos relacionamos com pedestres, outros veículos, animais, vias, enfim, todo um ambiente em que todos nos vivemos e não só “eu”. Esse egoísmo faz com que condutores sejam agressivos a ponto de cometerem um desatino qualquer no trânsito. Não descarto daqueles que, diante da abordagem, são mansos e após liberados para continuar seu trajeto, voltam a cometer tudo novamente. Para mim, esses nada mais são que iguais àqueles que justificam, defensivamente e que não agem de forma adequada e responsável.

Iara Thielen – A fiscalização tem como finalidade punir os motoristas que infringiram a lei. E ponto. Não tem que se travestir de educador. Educar não é seu papel. Educar é papel de quem não fez direito e exatamente por isso o motorista infringe a lei. Se infringiu, tem que ser punido. Se infringiu, colocou a sociedade em risco, e deve pagar por isso. A fiscalização tem que ocorrer sempre e em todo lugar. É uma função inegável do Estado que tem o dever de proteger o cidadão e, com isso, punir aqueles que oferecem riscos aos demais. E só existe uma maneira de fiscalizar sempre: utilizando equipamentos eletrônicos, que não fazem distinção e registram todos os veículos que transitam pelo local.

Perkons – A noção de perigo do infrator jovem parece, em primeira análise, menor do que a do motorista mais experiente. Por que esse motorista age assim, de que maneira a fiscalização ajuda?

Julieta Arsênio – Bem, esse assunto é bastante polêmico e não é de hoje. Tive o privilégio de ter realizado a primeira pesquisa brasileira sobre o comportamento dos adolescentes no trânsito. Concluímos que os comportamentos dos adolescentes no trânsito não diferenciavam a dos condutores adultos. Estamos no século XXI e os jovens vêm tendo cada dia mais o privilégio de se inserir em novas tecnologias, coisa que muitos adultos ainda não alcançaram. Os mais jovens, que têm a capacidade de prever e prevenir-se, tem a seu favor o temor de serem abordados pela fiscalização, portanto, agem com moderação. Já os adultos, contam sempre com o fator sorte, acreditando que não serão abordados e muito menos punidos.

Iara Thielen – O conhecimento e a familiaridade com o risco fazem com que a pessoa acredite que tem mais controle sobre a situação (familiar e conhecida), e ela se sente mais segura. Sentindo-se mais segura ela tem menos medo. E tendo menos medo se arrisca mais. Arriscando-se mais, aumentam as probabilidades de sofrer danos. Algumas características da juventude (e em alguns casos de juventude tardia) se contrapõem às exigências de trânsito seguro. Os jovens acreditam que sabem mais que os adultos, que têm mais habilidades, mais agilidade, que estão mais atentos, que são mais capazes, que têm maiores condições de se safar de situações de perigo; eles gostam de desafiar o perigo, gostam de contestar o mundo e as regras “tolas dos adultos”. Todas essas características fazem com que ele tenha menos medo e se arrisque mais.


Iara Thielen -“Os jovens acreditam que sabem mais que os adultos”.

Crédito: Arquivo Pessoal

 

Perkons – Foi anunciado que alguns órgãos poderiam aplicar sessões de terapia aos motoristas que reincidem em infrações de trânsito, o caminho é esse?

Julieta Arsênio – Será? Para mim, o caminho mais seguro e eficaz nas questões avaliativas de motoristas para comporem o trânsito é: os médicos e os psicólogos deverão estar inseridos na formação dos condutores. Talvez nos chamados Centros de Formação ou outro órgão competente. Como? Ao dar entrada para adquirirem a sua permissão ou mesmo sua habilitação, o candidato passaria por exame médico rigoroso, sendo encaminhado às especialidades que necessita e retornaria ao Centro de Formação, antes mesmo de realizar qualquer aprendizagem. Sabe-se que muitos males físicos interferem na conduta do motorista. Só depois que estivesse apto, física e psiquicamente, é que ele iria adquirir novos insumos de aprendizagem, sejam teóricas ou práticas que o tornariam hábil para dirigir. O atual procedimento está arcaico e pouco ou quase nada formam o condutor. O melhor caminho é restabelecermos novas diretrizes, mais seguras, para implantarmos um trânsito mais seguro e eficaz.

Iara Thielen – Não me parece um caminho viável. Se o caso requer terapia, teríamos que ter mecanismos de exclusão desse contingente, orientando que eles procurem atendimento antes de adquirir a concessão da CNH. Este me parece um aspecto importante e esquecido: a CNH é uma concessão, e não um direito inalienável. Se os motoristas se mostram incapazes de seguir regras, eles não deveriam ter a concessão do Estado para tal. Se obtiveram a concessão e abusaram, não cabe ao Estado resolver problemas individuais. Não cabe ao Estado (nós) bancar terapia para infratores. Já há a reciclagem. Se o indivíduo não tem condições de seguir as regras que o trânsito exige, ele deve escolher outras formas de deslocamento, coletivas, que não produzam “seus” danos aos demais.


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