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Crianças são atuais pedestres, mas nem sempre futuros motoristas

Estado e sociedade ainda cometem deslizes na difícil tarefa de avançar nas ações de educação para o trânsito

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Elas não têm carteira de habilitação, estão longe de completar 18 anos e muitas sequer serão condutoras no futuro. Mesmo assim, crianças são alvos frequentes de campanhas de conscientização de trânsito no Brasil. O argumento é de que os pequenos repassariam os conceitos aprendidos aos pais. Para discutir o assunto, a Perkons ouviu uma especialista em trânsito que lida diariamente com a questão envolvendo crianças.  “Com certeza as crianças podem ser excelentes multiplicadores do tema trânsito. Mas não pode ser atribuído a elas o peso de serem agentes fiscalizadores, ou seja, que tenham a incumbência de ficar ‘de olhos atentos’ nas atitudes erradas e equivocadas dos adultos, para chamarem a atenção dos mesmos”, defende Karine Winter, coordenadora de educação para o trânsito do FUNTRAM (Fundo Municipal de Trânsito/Prefeitura Municipal de Balneário Camboriú).

Segundo Karine, que também é especialista em Gestão e Segurança de Trânsito, não se pode transferir a responsabilidade de efetivar ações que gerem exemplos positivos por meio de atitudes corretas, que é dos adultos, aos menores. “Acredito que é possível atingirmos as crianças de forma eficaz, sim, principalmente por meio de ações lúdicas. Porém, desde que sejam motivadas e que os adultos sejam exemplo e sirvam de referência para elas”, explica.

Embora avalie que a educação para o trânsito no Brasil passou por avanços consideráveis nos últimos anos, Karine pontua que ainda assim, “é urgente e notória a necessidade de um novo paradigma e de um olhar mais atento para rever alguns conceitos”. O que se vê, muitas vezes, é a tentativa de educar as crianças para que sejam futuros bons motoristas. “Por diversos fatores (culturais, sociais e econômicos), muitas crianças jamais virão a ser condutores. No entanto, todas elas são pedestres e agentes do trânsito e convivem e compartilham do espaço público”, revela.

Crianças como protagonistas – este ano, às vésperas do Dia das Crianças, o Ministério das Cidades lançou a campanha intitulada “Paradinha”, cujas protagonistas são as crianças. A proposta é que elas chamem a atenção dos adultos a não consumir bebidas alcoólicas ao dirigir, assim como não falar ao celular e andar em alta velocidade. Por fazer parte de uma campanha maior – do Pacto Nacional pela Redução de Acidentes – a Paradinha (Campanha Nacional para a Prevenção de Acidentes com Crianças no Trânsito) tem caráter complementar, o que é um ponto positivo, na opinião de Karine. “Percebo atualmente que, mesmo a passos lentos, a educação para o trânsito está sendo direcionada para a construção de valores, para a formação de cidadãos mais éticos e conscientes de seus direitos e deveres, ou seja, para a formação de cidadãos mais preparados para o exercício pleno da cidadania e para o convívio em sociedade”, observa.

Nesse sentido, faz-se extremamente importante que a educação para o trânsito seja constante, e não apenas alvo de campanhas esporádicas. “Acredito que campanhas educativas com curto período de duração inviabilizam o desenvolvimento de um trabalho sistemático e contínuo de conscientização em relação a um trânsito mais seguro”, ressalta a especialista em Gestão e Segurança de Trânsito, acrescentando que “não se pode negar que elas constituem um excelente recurso para atingir o objetivo de um trânsito mais humanizado e com menos acidentes, mas não são as únicas ferramentas para isso”. 


Exemplos positivos

Camboriú/SC – Por meio do órgão em que atua, o FUNTRAM, Karine explica o trabalho desenvolvido em Balneário Camboriú, Santa Catarina. Lá, a população participa de palestras, cursos, teatro de fantoches e atividades no Espaço Vivencial de Trânsito. No local as crianças podem interagir e reforçar conceitos de respeito, colaboração e cooperação, não só no trânsito. “As plaquinhas de sinalização foram substituídas, na sua maioria, por placas com imagens que reforçam esses conceitos e atitudes de forma positiva. As crianças se organizam em pequenos grupos que fazem a leitura dessas imagens que devem ser compartilhadas com o grande grupo”, explica Karine.

De acordo com ela, a proposta inclui, ainda, um agente de trânsito, que faz a mediação e interfere quando necessário, acrescentando detalhes e exemplos às falas das crianças. Após a troca das informações, todos transitam a pé pelo espaço, circulando como pedestres. Uma volta pela quadra do bairro também tem o objetivo de mostrar aos alunos que no Espaço Vivencial o trânsito é perfeito, mas que na rua nem sempre é assim. 


Crédito: acervo FUNTRAM


Curitiba/PR
– Em Curitiba, a iniciativa de uma escola privada mostra que é possível levar conceitos de cidadania às crianças de maneira diferente. Criada em 1970, a Cidade Mirim do Colégio Opet é um importante diferencial na formação de alunos da Educação Infantil e Ensino Fundamental. Além das ruas com sinalização e semáforos, as crianças brincam de ser gente grande experimentando na prática como funcionam os principais elementos que constituem uma cidade, como a prefeitura, câmara de vereadores, fórum, posto de saúde, centro cultural, agência bancária entre outros – tudo em miniatura. As crianças elegem seus representantes por meio de votação e sugerem projetos para serem debatidos.


Crédito: divulgação

São Paulo – Outra ação que contempla o público infantil é a Minipista de Trânsito da Concessionária Ecovias, que administra as rodovias Anchieta e Imigrantes, em São Paulo. “Os alunos são introduzidos à educação no trânsito com a peça de teatro ‘A viagem da estrela’, inspirada no clássico infantil Pequeno Príncipe, que aborda, de forma lúdica, assuntos sérios, como as regras de trânsito, os perigos de brincar às margens da rodovia, a importância da utilização das passarelas e do uso dos itens de segurança ao andar de bicicleta”, explica Valdir Ribeiro, coordenador de sustentabilidade da concessionária.

As atividades compreendem a realização do trajeto da Minipista de Trânsito a pé, utilizando bicicletas e carrinhos elétricos, conduzidos pela equipe de educadores da Ecovias.  As crianças são divididas em três grupos: pedestres, passageiros e ciclistas. São cerca de 200 metros de pista asfaltada, que simulam grande parte das condições encontradas em uma via pública, com cruzamentos, semáforo, telefone de emergência, faixa de pedestre, placas de sinalização, rotatória, ciclovia, e até mesmo túnel.


Crédito: Vânia Delpoio

Políticas públicas

Os exemplos acima apresentados e tantos outros que buscam contribuir com a redução de acidentes de trânsito por meio da educação esbarram em uma contradição criada pela própria sociedade. “Se de um lado, começamos a perceber e efetivar a educação para o trânsito direcionada e voltada para a construção de uma postura ética e cidadã, de outro, percebemos que com o desenvolvimento da indústria automobilística os carros estão cada vez mais confortáveis, luxuosos e potentes, tornando-se para uma grande parcela da população brasileira a representação e a expressão do status e do poder”, argumenta Karine Winter.

Para a coordenadora de educação para o trânsito do FUNTRAM é preciso cobrar ações efetivas da indústria automobilística que, atualmente, aposta no aumento de vendas por meio de propagandas que incitam a competição, violência e busca incessante pelo poder. “Da mesma forma como a propaganda eleitoral é obrigatoriamente exibida em horário nobre na televisão brasileira, deveria haver um modo de as montadoras serem obrigadas a exibir campanhas relacionadas à educação e segurança no trânsito, arcando com todos os recursos financeiros. Elas deveriam ser chamadas para o verdadeiro sentido da responsabilidade social”, expõe Karine.

Como fazer isso? Karine acredita que a busca por mecanismos que abordem sistematicamente o assunto em escolas, empresas, entidades etc. deve ser incessante e precisa envolver a esfera política. “É necessária e se faz urgente a elaboração de políticas públicas que contemplem o verdadeiro e real sentido da responsabilidade social que muitas dessas indústrias afirmam exercer”, analisa.

É bem provável que em futuro não muito distante todos comecem a colher os frutos mais consistentes desta nova visão de educação para o trânsito e, com isso, velhos costumes fiquem para trás. “Um exemplo claro disso é o condutor contumaz, que com certeza é aquele que vem de uma geração em que se falava muito no tal do ‘jeitinho brasileiro’, cujo princípio era levar vantagem em tudo”, conclui Karine.

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