por Archimedes Azevedo Raia Jr.*
Segundo dados do estudo Mapa da Violência 2011: acidentes de trânsito, realizado por Julio Jacobo Waiselfisz, Instituto Sangari e Ministério da Justiça, para o período de 1998 a 2008, a variação do número de mortos no trânsito apresenta alguns aspectos que merecem reflexão. Por incrível que possa parecer, o número de pedestres mortos no período caiu quase 16%. Foi o único modo de transporte que, em números absolutos, registrou redução.
A morte de ciclistas, neste período, subiu 308%; condutores e passageiros de automóveis, 122%; de caminhões, 183%; e ônibus, 74%.
Considerando os motociclistas, o número de mortos cresceu, fantásticos, 506%. Em 1998, os óbitos de motociclistas correspondiam a 6,1% do total de mortos, passando, em 2008, a 30,0%. Quando se consideram as taxas de óbitos por 100 mil habitantes, em 1998, era 1,2, em 1998, passou a 6,0, em 2008, com um aumento de 417%.
Levando-se em conta somente as mortes no trânsito, sem os mortos motociclistas, em números absolutos e em taxas desde 2004, há uma tendência de redução. No entanto, quando se leva em conta os dados totais de mortes em acidentes de trânsito – incluindo os mortos motociclistas – , há uma clara tendência de crescimento, passando de cerca de 20 mil em 2000 para 38,3 mil, em 2008. Isto deixa bem evidente o efeito das motocicletas na acidentalidade e mortalidade viária no Brasil.
Outro dado preocupante é o efeito da mortalidade no trânsito segundo a divisão de jovens e não jovens. O trabalho considera jovens aqueles na faixa de 15 a 24 anos. Os demais são considerados não jovens. Em 2000, as taxas de óbitos (por 100 mil habitantes) por acidentes de trânsito segundo faixas etárias, estavam assim distribuídas: jovens, 18,6, em 2000 e 25,0, em 2008, representando uma variação de 34,4%; por outro lado, a taxa de óbitos dos não jovens que era 16,7, em 2000, passou para 19,1, em 2008, com uma elevação bem mais módica, de 14,4%.
A frota total de veículos, segundo o Denatran, que era de 29,7 milhões, em 2000, passou a 70,5 milhões, em 2011, uma variação de 237,4%, que não deixa de ser fabulosa. Já a frota de motos passou de 4,0 milhões (13,3% da frota total), em 2000, para 18,3 milhões (26% da frota total), em 2011, representando um crescimento estratosférico de 458%.
Os números mostram que o advento da ampliação gradual e constante na frota de motocicletas, com a consequente elevação nas taxas de mortalidade, é significativa e estremamente preocupante. No entanto, não se vê alterações sérias, planos e ações concretos, alterações radicais nas leis, etc. Esta guerra está acontecendo aqui no Brasil, os brasileiros estão perdendo a guerra (os parentes, amigos), e as autoridades não tomam providências exemplares, que conduzam a alterações proeminentes no quadro da acidentalidade viária nacional.
Não adianta, num quadro de extrema gravidade, fazer campanhas com filminhos na mídia. Eles não geram efeitos positivos em curto prazo. Não se combate uma grave infecção, que pode levar a uma septicemia, com remédios homeopáticos, à base de chazinhos. São necessários antibiótipos de última geração.
Os brasileiros ainda não conseguiram compreender que, para serem uma grande nação, ou seja, aquela que tem o sétimo PIB-Produto Interno Bruto do planeta, em 2011, ficando atrás somente de Estados Unidos, China, Japão, Alemanha, França e Reino Unido, é necessário ter coragem de deixar para trás práticas como se tudo estivesse bem, ou quase bem, no trânsito nacional. Afinal, em 2010, 40.610 pessoas morreram em acidentes de trânsito no Brasil, quase 7,5% acima do registrado, em 2009. Conforme dados do Ministério da Saúde, 25% das vítimas estavam envolvidas em ocorrências com motocicletas. De 2002 a 2010, a quantidade de óbitos em acidentes com motos quase triplicou no País, saltando de 3.744 para 10.143 mortes.
A situação, na forma como está sendo conduzida, está mais para deixar do jeito que está para ver como é que fica, do que para realmente se buscar uma solução para este morticínio viário. Urge que se pense e, principalmente, que se haja com grandeza e firmeza. A situação assim exige. O Brasil é hoje uma das maiores economias do mundo, mas seu trânsito é claramente de Terceiro Mundo.
Me permito, aqui, recordar as palavras do Comandante Márcio Branco, em sua obra Na Cabine de Comando (Editora Novo Século, 2009), que faz alusão à gestão da aviação civil brasileira, mas que serviria para outras áreas, inclusive o trânsito: “a administração pública se mostra claramente incapaz de fazer opções corretas, no tempo certo e da forma correta. E isso, como já é sabido e sentido por todos nós, não é de hoje. Em alguns casos, chega a ser particularmente aviltante o gerenciamento pouco profissional e nada responsável…”.
A instituição da DAST-Década de Ação pela Segurança no Transito 2011-2020, segundo a Resolução ONU nº 2, de 2009, foi direcionada, dentre outros países, ao Brasil, que não consegue reduzir a gravidade de sua acidentalidade viária. Neste primeiro ano da DAST, pouco se viu de concreto de avanços, ou mesmo de propostas coerentes e significativas. Existe sim o documento “Proposta para o Brasil para Redução de Acidentes e Segurança Viária”. Mas, de concreto, ficou ainda somente a proposição. Enquanto isso, pode-se esperar, segundo o andar da carruagem, mais de 43 mil brasileiros mortos, em 2012.
No Perú, segundo o Consejo Nacional de Seguridad Vial, de 3.510 mortos, em 2007, reduziu-se para 2.856, em 2010, uma importante redução de 18,6%. Eles esperam dobrar esta cifra para os próximos cinco anos. Na Argentina, conforme dados do Instituto de Seguridad e Educación Vial, o índice de sinistralidade viária, de 2011 em relação a 2010, diminuiu 21,1 %; o índice de mortalidade viária, no mesmo período, caiu 23,5 %, e o índice de morbidade viária (os lesionados graves em sinistros viários) foi reduzido em 6,1 %.
Como é que países da União Européia e vários latinoamericanos conseguem reduzir drasticamente suas taxas de acidentalidade viária? O que podemos fazer nós brasileiros? Será que não é o caso, por exemplo, de fazer valer o artigo 56 do Código de Trânsito Brasileiro, vetado pelo presidente da república?
Por ventura, o fato do veto não seria uma das maiores causas de acidentes com motocicletas e motonetas no trânsito brasileiro? Vejamos o que diz o veto: “Ao proibir o condutor de motocicletas e motonetas a passagem entre veículos de filas adjacentes, o dispositivo restringe sobre maneira [sic] a utilização desse tipo de veículo que, em todo o mundo, é largamente utilizado como forma de garantir maior agilidade de deslocamento. Ademais, a segurança dos motoristas está, em maior escala, relacionada aos quesitos de velocidade, de prudência e de utilização dos equipamentos de segurança obrigatórios, os quais encontram no Código limitações e padrões rígidos para todos os tipos de veículos motorizados.”
A garantia da grande “agilidade” proporcionada pelas motos está gerando a ampliação da tragédia no trânsito brasileiro. Será que manter a mobilidade em detrimento da segurança é uma opção válida do Poder Público brasileiro?
Creio que para darmos um grande salto em qualidade na circulação de veículos no sistema viário nacional, em resposta às ações solicitadas pela DAST, poderíamos começar pela reavaliação, por parte dos nobres parlamentares brasileiros, do veto do artigo 56. Qualquer outra ação que não seja esta, não passará de mera maquiagem no sentido de se obter uma melhoria significativa na segurança viária do Brasil. É preciso ter coragem! Enquanto isto não acontece, em 2012 deverão morrer cerca de 11 mil motociclistas brasileiros, muito mais que pessoas mortas nas guerras dos EUA contra Afeganistão e Iraque.
*Prof. Dr. Archimedes Azevedo Raia Jr.
Engenheiro, Mestre e Doutor em Engenharia de Transportes pela USP, professor e coordenador do Núcleo de Estudos em Engenharia e Segurança de Tráfego Sustentável da UFSCar e co-autor do livro “Segurança no Trânsito”, Ed. São Francisco. E-mail: raiajr@ufscar.br
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